Luciana Constantino
Como é cada vez mais difícil desenvolver antibióticos capazes de derrotar bactérias resistentes, principalmente as que afetam o aparelho respiratório, o caminho percorrido por um grupo de cientistas foi tentar enfraquecê-las para que as substâncias disponíveis para tratamento fossem mais eficazes. E ele se mostrou promissor.
Pesquisa publicada na revista científica Anais da Academia Nacional de Ciências (PNAS) ressalta que a inativação fotodinâmica (PDI, sigla em inglês para inativação fotodinâmica) apresentou característica inovadora ao modificar o grau de sensibilidade bacteriana aos antibióticos de acordo com a dosagem, reduzindo a resistência e a persistência dos microrganismos.
O grupo, liderado pelo físico e engenheiro de materiais Vanderlei Salvador Bagnato, trabalhou com Staphylococcus aureus – bactérias que podem causar desde infecções de pele até pneumonia – encontradas em material coletado de pacientes. Foi demonstrado que o efeito da ação fotodinâmica “quebrou” a resistência dessas bactérias após a aplicação de cinco ciclos de PDI.
A fotodinâmica utiliza luz e um fotossensibilizador que, em contato com a luz, ganha energia e inicia uma série de reações com o oxigênio do local, causando oxidação e destruindo o microrganismo ou reduzindo sua resistência aos antibióticos.
Os pesquisadores usaram a curcumina (na dosagem de 10 microgramas/ml) como fotossensibilizante e trabalharam com os antibióticos amoxicilina, eritromicina e gentamicina. Após cinco aplicações de inativação fotodinâmica, detectaram que o Staphylococcus aureus ele ficou mais suscetível aos efeitos da gentamicina, embora outros dois antibióticos também tenham se mostrado eficazes no “ataque” do microrganismo após as sessões.
“Descobrimos que com o processo fotodinâmico às vezes não é possível matar a bactéria, mas conseguimos destruir parte dos mecanismos que ela utiliza para se tornar resistente. Aí surgiu a ideia de tentar um choque oxidativo para torná-los novamente suscetíveis aos antibióticos”, conta. Agência FAPESP Professor Bagnato, coordenador do Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (CePOF).
Vinculado ao Instituto de Física de São Carlos (IFSC) – uma das unidades da Universidade de São Paulo (USP) –, o CePOF é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP, que também financiou o estudo por meio de outros dois projetos (14/50857-8 e 19/12694-3). A primeira autora do trabalho é a pesquisadora Jennifer Soares, que foi doutoranda da professora Kate Cristina Blanco, também autora do artigo, e Bagnato.
Cenário
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a resistência antimicrobiana como uma das dez principais ameaças à saúde pública no mundo. Ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações quando expostos a antimicrobianos, como antibióticos e antivirais, por exemplo.
Recentemente, a lista das bactérias que mais ameaçam a saúde humana foi atualizada – a primeira versão havia sido divulgada em 2017 pela OMS. O novo documento, divulgado no dia 17 de maio, contém 15 famílias de bactérias resistentes a antibióticos agrupadas em categorias de prioridade crítica, alta e média. A lista serve de referência para o desenvolvimento de novos tratamentos.
Estima-se que cerca de 1,2 milhões de mortes sejam causadas por bactérias resistentes a cada ano e quase 5 milhões de mortes estejam indiretamente associadas a elas. O custo global do problema, segundo a OMS, poderá atingir 100 biliões de dólares até 2050.
Segundo o relatório da própria organização, de cada cem pacientes internados em hospitais de cuidados intensivos, sete – em países de alto rendimento – e 15 – em países de baixo e médio rendimento – contraem pelo menos uma infecção associada a microrganismos resistentes. Em média, um em cada dez pacientes infectados morrerá por esse motivo.
A chance de novos antibióticos serem autorizados pela Food and Drug Administration (FDA) – agência norte-americana que controla alimentos, suplementos dietéticos, medicamentos e outros materiais biológicos – para estudos clínicos em humanos é de seis em dez. Além disso, a probabilidade de os tratamentos aprovados serem uma nova classe de antibióticos é de apenas 25%, reduzindo assim a possibilidade de atacar a resistência bacteriana devido ao facto de a maioria dos novos antimicrobianos serem derivados de classes existentes.
Bagnato explica que trabalha há alguns anos com foco especial na pneumonia resistente, um dos tipos que mais leva à morte em unidades de terapia intensiva quando se trata de casos de infecção resistente a antibióticos. “Estamos próximos de publicar mais um artigo demonstrando uma técnica aplicada diretamente no pulmão. O paciente inala uma molécula indutora, usamos iluminação infravermelha extracorpórea e diminuímos a resistência do microrganismo, combatendo a pneumonia, por exemplo”, afirma o pesquisador.
Desde 2023, Bagnato está na Texas A&M University (Estados Unidos), onde foi convidado a montar um laboratório de biofotônica no campus principal, localizado na cidade de College Station, nos moldes do CePOF. Atualmente é licenciado pelo IFSC, mas continua seu trabalho em pesquisa no Brasil.
globo.com rio de janeiro
o globo noticia
globo com rio de janeiro
globo.com g1
jornal globo
jornais globo