O medo é uma reação natural e esperada quando a família recebe a notícia de que um parente precisa ser levado para uma unidade de terapia intensiva, a UTI. Parte desse medo pode ser atribuída ao maior risco de infecção generalizada, nome que popularizou uma das emergências mais letais dentro de um hospital: a septicemia. Também conhecida como sepse, hoje é considerada uma doença à parte, marcada pelo ataque das células de defesa do organismo em resposta a algum tipo de estresse, como a disseminação de bactérias na circulação. Esta tempestade tende a levar à falência de órgãos e a um desfecho fatal em questão de horas se as medidas de contenção não forem adotadas a tempo.
Maior causa de mortes nas UTIs brasileiras, a condição está no foco da iniciativa Jornada Sepse Zero, que propõe um trabalho baseado na conscientização e capacitação de médicos e demais profissionais para mitigar essa ameaça à saúde pública. “Quanto antes revertermos a situação nos hospitais, mais vidas poderemos salvar”, afirma a cardiologista e intensivista Ludhmila Hajjar, professora da USP e líder do projeto.
A natureza da palavra “sepse”, que deriva do termo grego para “decomposição”, permite-nos compreender o quão crítico é o estado do paciente nestas circunstâncias. Embora o tratamento seja feito com medicamentos presentes no dia a dia hospitalar, como antibióticos, o atendimento nem sempre chega na hora certa e a piora muitas vezes é repentina. É por isso que a jornada procura sensibilizar os profissionais que trabalham nas unidades de emergência para a chamada “hora de ouro”, os primeiros sessenta minutos que serão cruciais para intervir com sucesso. “O paciente começa a ficar confuso, a frequência cardíaca sobe, a pressão arterial cai”, descreve Hajjar, que acaba de ministrar um curso para mais de 800 médicos brasileiros. Além da falta de conhecimento técnico dos profissionais à beira leito, um dos desafios da sepse é a falta de padronização nos protocolos assistenciais no país. Tudo isso contribui para as 240 mil mortes anuais registradas aqui. Uma pesquisa com 307 médicos realizada pela empresa Território Saber, idealizadora do curso, revela que apenas 65% dos profissionais administram o tratamento correto em tempo hábil e metade considera sua qualificação para administrar a situação como “intermediária”. Não é por acaso que a taxa de mortalidade por septicemia no Brasil é absurdamente alta quando comparada à de nações como Austrália, Reino Unido e EUA — temos uma taxa de 60% contra 15% a 20% nesses países. “O que eles fizeram foi investir na educação continuada das equipes e na manutenção de um número adequado de profissionais para dar suporte aos pacientes”, diz Leandro Taniguchi, médico da UTI Clínica do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Nesse sentido, é fundamental esclarecer que a internação não é o fator determinante para a ocorrência da sepse. “De cada dez pessoas hospitalizadas, sete sobrevivem”, diz Hajjar. Portanto, é um horizonte a ser superado com padrões de monitoramento de sinais vitais e ações imediatas tomadas com rigidez. Um objetivo que se torna mais viável com o apoio da tecnologia, especialmente da inteligência artificial. Os hospitais nacionais já possuem ferramentas capazes de prever prováveis exacerbações inflamatórias — o primeiro passo para a sepse —, enquanto estudos tentam determinar os melhores biomarcadores para monitorar os casos e tratá-los de forma assertiva.
A conscientização também cabe à população. Isso porque as principais infecções que levam ao quadro grave começam no trato urinário, respiratório ou intestinal, e muitas vezes são negligenciadas ou tratadas erroneamente com antibióticos de venda livre. Esse cenário alimenta outro problema de saúde pública que assola os hospitais e pode ocorrer às custas da sepse, a resistência aos antimicrobianos. Há um enorme esforço em jogo nesta jornada e Hajjar espera colher os resultados da iniciativa dentro de um ano. A ideia é que, com a hora de ouro, o medo da sepse também passe a ser coisa do passado.
Publicado em VEJA em 15 de novembro de 2024, edição nº. 2919
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