Relatório de 2018 sobre a morte de duas pessoas em São Paulo após serem vacinadas contra o vírus febre amarela foi compartilhado fora de contexto nas redes sociais em setembro de 2024.
Segundo as publicações, visualizadas milhares de vezes, a matéria seria atual e indicaria que a imprensa só noticiou os efeitos colaterais das imunizações agora que Jair Bolsonaro (PL) não é mais presidente. Mas a reportagem foi ao ar cerca de um ano antes da posse de Bolsonaro e a versão que circulava online foi manipulada para incluir um banner dizendo que “vacinas matam”.
“Agora que o Bolsonaro não é mais o presidente, a vacina mata… E é a Globo quem está falando isso! Acho interessante a ousadia desses jornalistas canalhas!!!”, diz a legenda de postagens no Facebook e no Instagram, no Facebook. Threads, no Telegram e no Kwai.
A denúncia é compartilhada ao lado de um vídeo em que o jornalista Cesar Tralli diz: “Gente, é importante lembrar o seguinte: a vacina tem contraindicações, tem riscos à saúde. O secretário municipal de Saúde aqui de São Paulo, Wilson Pollara, confirmou recentemente me falou por telefone que duas pessoas já morreram aqui em São Paulo depois de tomarem a vacina: um homem e uma mulher”.
Sobreposto à gravação está: “Vacinas (a verdade proibida)”. No final do vídeo também podem ser vistos os dizeres, supostamente exibidos conforme a descrição da reportagem: “Vacinas matam” e “2 pessoas morreram após tomar a vacina aqui na Capital”.
Em um dos trechos da gravação, pode-se ver a logomarca do programa “SP 1”, transmitido pela Rede Globo.
Uma pesquisa por palavra-chave no Google mostrou que o vídeo viral é um fragmento de uma reportagem veiculada pelo canal em 19 de janeiro de 2018.
Na época, o Ministério da Saúde, em conjunto com os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, havia iniciado uma campanha de vacinação contra a febre amarela, na tentativa de prevenir o surto da doença ocorrido no ano anterior.
Naquela época, Michel Temer (MDB) era o presidente do Brasil. Portanto, o reconhecimento dos efeitos colaterais das imunizações já foi noticiado antes do governo Bolsonaro.
Relatório editado
Além disso, em nenhum momento do relatório o jornalista afirma que “as vacinas matam”, como indicam as publicações virais.
Ao assistir a matéria completa, é possível perceber que o jornalista faz reportagens sobre as mortes notificadas após a vacinação, mas também alerta que “só quem está viajando ou mora em área de risco deve tomar essa vacina contra a febre amarela”. Esse trecho é omitido no conteúdo viral e não é mostrada a explicação sobre o imunizante a que o jornalista se referia.
Uma comparação entre a sequência viral e o vídeo original também permite observar que o rótulo descritivo da reportagem foi manipulado: as palavras “febre amarela” foram substituídas por “vacinas matam”:
Em março de 2018, pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) descartaram que uma das mortes investigadas na época tivesse ocorrido por reação adversa à febre amarela vacina. Os pesquisadores descobriram que o paciente havia sido infectado pelo vírus dias antes de ser imunizado e morreu antes que a proteção tivesse tempo de fazer efeito.
No dia 22 de fevereiro de 2018, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destacou em seu boletim que a “vacina contra febre amarela raramente está associada a eventos graves” e que as reações mais comuns incluem dor de cabeça e dores no corpo.
Segundo o folheto do produto, publicado pela mesma fundação, “eventos muito raros” incluem reações de hipersensibilidade, reações anafiláticas, doenças neurológicas e doenças viscerotrópicas — com “maior risco de eventos tão graves em pessoas idosas”.
Referências
Relatório SP1 publicado em 2018
Boletim Fiocruz
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