Roseli Andrion
Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que, em 2023, foram 71.730 casos de câncer de próstata no brasil. Esse é o tipo de doença que mais atinge os homens brasileiros e representa 30% de todos os casos de câncer entre eles no país. Dependendo do estágio da doença, pode afetar muito a qualidade de vida do paciente.
Para tratar os pacientes afetados, pesquisadores da Medicina Nuclear de Campinas (Grupo MND) decidiram criar uma versão nacional de um radiofarmacêutico específico para a condição. O projeto é apoiado pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP.
O estudo teve início em 2017 com o objetivo de desenvolver uma formulação nacional do antígeno de membrana específico da próstata (antígeno de membrana específico da próstata – PSMA). Esta molécula é uma glicoproteína utilizada no rastreio do cancro da próstata, pois é encontrada na superfície das células da próstata e a sua expressão aumenta significativamente quando são cancerígenas.
Segundo Elba Etchebehere, médica nuclear e sócia do MND Campinas, na época não havia produção nacional desse medicamento. “Decidimos fazer esse desenvolvimento porque um dos muitos desafios da medicina nuclear é chegar a todos os pacientes, principalmente em um país tão grande como o Brasil”, explica.
“Produzir essa molécula localmente é essencial para isso.” Durante esse processo, ocorreram alterações na legislação regulatória — e, portanto, foi necessário fazer ajustes no procedimento de manuseio de substâncias — e ocorreu a pandemia de COVID-19. “Com as mudanças nas normas da Agência de Vigilância Sanitária [Anvisa]foi necessário adequar toda a nossa estrutura para a segunda fase. E então veio a pandemia”, lembra Etchebehere. “Pensávamos que terminaríamos o projeto em 2021, mas tivemos que parar nesse período.”
Ótimos resultados
Após superar as dificuldades impostas pelo distanciamento social, a equipe conseguiu seguir com o desenvolvimento. “Conseguimos estabilizar a marcação durante três dias: foi fantástico”, relata o pesquisador. “Depois começamos a fazer uso compassivo em pacientes e tivemos ótimos resultados.”
A pesquisadora conta que, até o momento, foram realizadas 27 aplicações em pacientes. A maioria ganhou melhor qualidade de vida com o uso de radiofármacos. “Um deles, que tinha um tumor já bastante avançado, com invasão de bexiga e reto, estava de fralda. Ele tinha vergonha dessa condição clínica. Fizemos a primeira aplicação nele e, após 15 dias, ele parou de usar fralda. A primeira dose que recebeu mudou sua qualidade de vida. O paciente diz que o tratamento lhe trouxe dignidade novamente.”
Embora a molécula de PSMA já seja produzida nacionalmente pelo MND, o componente radioativo ainda é importado — já que não há produção do radioisótopo lutécio-177 no país. Esse processo enfrenta obstáculos em relação à liberação dos órgãos reguladores na saída do aeroporto. “Às vezes chegava num domingo e só conseguíamos atender os pacientes na outra semana, porque a liberação demorava muito, mesmo que tivesse sido pré-aprovada antes do embarque. Foi muito difícil descobrir tudo isso.”
Mesmo com a necessidade de trazer o lutécio-177 do exterior, a redução parcial da dependência produtiva é essencial para o tratamento dos pacientes brasileiros. “Com o projeto do reator multiuso brasileiro, o país pode se tornar completamente independente. E, além de reduzir custos, garante empregabilidade no segmento. No momento, porém, ainda é necessário importar.”
Até agora, a investigação do MND já reduziu o custo do medicamento em mais de 50%. Apesar de ser uma diferença significativa, a opção ainda não chega ao Sistema Único de Saúde (SUS). O especialista afirma que, mesmo com a redução, o tratamento não chega nem a 0,5% dos pacientes com câncer de próstata no Brasil. Se forem consideradas as empresas que importam o medicamento, é possível dizer que no total elas atingem menos de 1% dos atingidos.
Com baixa toxicidade para o paciente, o tratamento pode beneficiar muitos homens com câncer de próstata. “É muito difícil ver que eles conseguem ganhar qualidade de vida, mas não têm esse acesso. Então, tudo o que podemos fazer para tentar reduzir esses custos, acho que é o melhor caminho.”
Além de melhorar a qualidade de vida do paciente, o uso de radiofármacos garante maior sobrevida. “Estudos randomizados mostram que o uso da molécula marcada de PSMA – não a nossa, mas de forma genérica – demonstra sobrevida de 15 meses versus 11 meses para pacientes que não recebem o tratamento.”
Use em outras etapas
Ao mesmo tempo, estudos têm sido realizados para avaliar se há benefício no uso do medicamento em outras fases da doença — em vez de limitar sua aplicação à adoção compassiva. Existem, por exemplo, ensaios para estimar o uso concomitante de substâncias ou mesmo a inclusão de PSMA radiomarcado em momentos anteriores do tratamento com o objetivo de fazer o que é melhor para o paciente.
Além disso, o PSMA pode ser associado a outro isótopo radioativo – em vez do lutécio 177 – para tratar diferentes tipos de câncer. “Participamos de um segundo projeto para utilizar essa molécula. Na medicina nuclear, temos um modelo conhecido como teranóstico [a união das palavras terapia e diagnóstico]. Este conceito usa uma droga [como o PSMA, por exemplo] associado a um isótopo radioativo para fins diagnósticos e terapêuticos”, explica Etchebehere.
Ou seja, é possível usar a molécula com um isótopo para descobrir o tumor e depois trocar o isótopo para aplicá-lo como tratamento. Este projeto é realizado em parceria com o Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera), Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.
É, portanto, uma forma de personalizar a medicina: desta forma, diferentes pacientes são tratados de forma diferente, pois o que é bom para um pode não ser bom para outro. “Neste projeto, buscamos aplicar essa molécula em outros tumores”, comenta. “Este estudo envolve a Universidade Estadual de Campinas [Unicamp]Santa Casa de São Paulo e USP de São Carlos. As novas moléculas serão utilizadas no complexo oncológico da Unicamp.”
O especialista destaca que o apoio da FAPESP tem sido fundamental para o desenvolvimento do radiofármaco e que, agora, a equipe pretende obter aprovação da Anvisa para importar diretamente o lutécio-177 para tratamento de rotina de pacientes. “No momento não temos intenção de comercializar o produto, pois nosso foco é atender a rede de pacientes que está ao nosso alcance. Se conseguirmos importá-los com aprovação da Anvisa, temos estrutura para recebê-los.”
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