Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, desafiou o método tradicional de avaliação da hepatotoxicidade de medicamentos. Normalmente, esta análise é baseada na contagem de casos individuais relatados de lesão hepática aguda (LPA). No entanto, os cientistas descobriram que esta abordagem pode não refletir com precisão o verdadeiro risco de alguns medicamentos. Em vez disso, utilizando dados dos sistemas de saúde, examinaram as taxas de incidência de LPA grave numa população de quase oito milhões de pessoas.
Publicado na JAMA Internal Medicine, o estudo destacou que muitos medicamentos são classificados incorretamente quanto à sua hepatotoxicidade. “A abordagem sistemática que desenvolvemos permite-nos medir com sucesso as taxas de toxicidade hepática após o início de uma medicação. Não foi surpreendente que a contagem dos relatos de casos não refletisse com precisão as taxas observadas de lesão hepática aguda grave, dadas as limitações inerentes aos relatos de casos”, disse, em nota, Vincent Lo Re, professor associado de medicina e epidemiologia da Universidade da Pensilvânia e principal autor do trabalho.
Para determinar as taxas de incidência de LPA, a equipe avaliou registros médicos eletrônicos de quase oito milhões de pessoas fornecidos pela Administração de Saúde dos Veteranos dos Estados Unidos. Os voluntários não apresentavam doença hepática ou biliar pré-existente quando começaram a tomar um dos 194 medicamentos estudados.
Cada um desses medicamentos foi analisado sob suspeita de que pudessem causar danos ao fígado, pois tinham mais de quatro relatos publicados de toxicidade hepática relacionada ao seu uso.
No ensaio, 17 medicamentos diferentes tiveram taxas que excederam cinco eventos graves de LPA por 10.000 pessoas por ano. A equipe determinou que 11 desses medicamentos estavam em categorias mais baixas de hepatotoxicidade porque a contagem de casos de lesões não refletia o seu verdadeiro risco. Um dos medicamentos que se enquadrava nesse grupo era o metronidazol, antibiótico usado para tratar infecções do aparelho reprodutor ou gastrointestinal, além de problemas dermatológicos.
Subnotificação
Liliana Mendes, hepatologista do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, destaca que o principal desafio é a subnotificação da hepatotoxicidade dos medicamentos. “Muitas vezes, as pessoas vivenciam eventos tóxicos envolvendo lesões hepáticas, e esses episódios não estão descritos na bula. Cabe ao profissional responsável pela detecção dessas situações documentá-las e notificá-las, para que possam ser tomadas medidas de alerta e, às vezes, até que o medicamento seja retirado do mercado.”
Os cientistas também observaram que oito medicamentos classificados como mais hepatotóxicos, com base no número de relatos de casos publicados, deveriam, na verdade, estar no grupo considerado menos tóxico para o fígado.
O hepatologista Rogério Camargo Pinheiro Alves, da Beneficência Portuguesa, de São Paulo, observa que se os profissionais de saúde souberem que um medicamento, antes considerado não tóxico para o fígado, é realmente prejudicial, poderão repensar sua prescrição. “Os médicos vão incorporar esse conhecimento na prática clínica, tentando saber se o paciente corre risco com determinado medicamento ou tentando substituí-lo por outro. O mais importante em relação à toxicidade é que a população só tome o que realmente é necessária, é muito comum vermos automedicação e pacientes com alterações por esse motivo.”
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