A família Marçal, que tem membros no Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, descobriu que 11 deles carregam uma mutação genética que pode causar amiloidose hereditária transtirretina com polineuropatia, uma doença genética rara, degenerativa e fatal conhecida pela sigla hATTR-PN .
Um deles é Ely José Marçal, de 76 anos, que está em estágio avançado da doença. Embora inespecíficos, os sintomas mais fortes se manifestaram em 2018, quando Ely desenvolveu complicações na região lombar, que, na época, foram tratadas por um ortopedista. No mesmo ano, ele foi submetido a uma cirurgia na coluna. Nos meses seguintes, o quadro clínico piorou, evoluindo com engasgos, perda de força nas mãos e perna esquerda.
“Consultei sete médicos e fiz vários exames, como ressonância magnética e tomografia. Acabei tendo um infarto e tive que implantar um marca-passo. Há seis anos eu tinha uma vida plena, hoje estou cadeirante, não tenho mais autonomia e dependo totalmente da minha família para tudo”, diz ele, cujo diagnóstico foi confirmado no início de 2021.
Alguns dos primeiros sintomas são:
- Formigamento
- Perda de sensibilidade nos pés
- Dor intensa e incapacitante, tanto superficial quanto interna
- Fraqueza e atrofia
- Incapacidade de se mover
“Esta doença não tem cura e é progressiva, o que significa que o tempo é crucial. Se perdermos tempo, teremos menos opções na hora de um tratamento multidisciplinar adequado”, explica o neurologista Ryann Pancieri Paseto, que cuidou do mapeamento genético da família Marçal, a partir do diagnóstico de Ely – e fez recomendações para a realização dos exames necessários para que, caso os familiares desenvolvam algum sintoma no futuro, apresentem os resultados aos seus médicos durante a consulta e recebam um encaminhamento rápido e adequado.
Segundo o especialista, a doença tem três fases – a primeira é caracterizada por comprometimento sensorial, quando há formigamento e dormência nos pés e leve redução de força, o que não prejudica a capacidade de locomoção da pessoa. No segundo, há maior perda de força e, com isso, necessidade de auxílio na mobilidade, além de manifestações sistêmicas, como no coração. Quando a doença chega ao terceiro estágio, a pessoa geralmente já está cadeirante e/ou acamada, além de apresentar diversos sintomas que podem levar a acidentes vasculares cerebrais e até complicações cognitivas.
“Pessoas com amiloidose hereditária por transtirretina com polineuropatia enfrentam inúmeros desafios. Após a confirmação do diagnóstico, que no Brasil leva em média cinco anos, há uma verdadeira jornada para ter acesso ao tratamento multidisciplinar adequado. Se o paciente não for tratado até a segunda etapa, a expectativa de vida é de dois a oito anos”, relata.
História de família
Cerca de 80% das doenças raras são genéticas. Os registos revelam Portugal como o local de origem da amiloidose hereditária transtirretina com polineuropatia. O país apresenta alta prevalência de casos, chegando a um em cada 500 habitantes em algumas regiões. A atenção à doença tornou-se especialmente importante para o Brasil porque aqui vive um número maior de lusodescendentes do que a própria população de Portugal.
Natural de Alvarenga, município do sul de Minas Gerais, Ely conta que seu bisavô, de origem portuguesa e possivelmente portador do gene, o transmitiu aos descendentes. Em todo o mundo, estima-se que cerca de 10 mil pessoas sejam afetadas pela doença. Embora não haja dados que comprovem, no Brasil a estimativa é de duas mil a cinco mil pessoas. “Apesar de ser classificada como doença rara, no Brasil temos um quadro diferente e costumo dizer que ‘é raro, mas acontece muito’. Por isso é muito importante, por exemplo, que os casais que desejam ter um filho e não transmitir o gene, façam aconselhamento genético”, afirma Ryann.
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Assim como seus dois irmãos, Giseli Marçal, de 36 anos, a filha mais nova de Ely não herdou o gene. Grande parte da responsabilidade pelo cuidado do pai é dela e, como profissional de saúde, sempre esteve à frente na busca pelo diagnóstico e tratamento multidisciplinar adequado. “Fizemos todos os testes possíveis. Não há tempo a perder. Quando há um diagnóstico conclusivo, o tratamento correto deve ser iniciado imediatamente”, afirma.
Rede de Saúde Pública
A incorporação de uma terapia para o estágio 2 da PN-ATTRh no Sistema Único de Saúde (SUS) foi novamente discutida no Ministério da Saúde. Esta é a segunda vez que o medicamento é avaliado. Em maio de 2023, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS), em sua recomendação final, negou a incorporação.
Para a presidente da Associação Brasileira de Amiloidose Hereditária Associada à Transtirretina (ABPAR), Bárbara Coelho, a incorporação da terapia será um avanço em termos de política pública de saúde para pessoas com a doença que não têm tratamento disponível no SUS, uma vez que apenas é fornecida medicação para hATTR-PN de fase 1.
“Um único medicamento não resolve tudo. É necessário um arsenal terapêutico para que os médicos avaliem a terapia mais adequada para cada paciente”, afirma ela, que destaca a importância da contribuição social na consulta pública (CP) nº 24, aberta pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em o Sistema Único de Saúde (Conitec) para ouvir a sociedade sobre a incorporação da terapia ao SUS.
*Estagiário sob supervisão da editora Ellen Cristie
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