Oito horas de trabalho, quatro horas de transporte público. Quando você chega em casa, quando tem uma geladeira velha. Um fogão a gás pode ser uma opção luxuosa. A realidade muitas vezes é a versão a lenha, pois 25% da população brasileira ainda cozinha assim – isso mesmo: 25%! Não há água nas torneiras. A luz é fraca e nem sempre elétrica. No canto da pequena cozinha, a fruteira está vazia e há pouca variedade de comida – no máximo, eles dominam pacotes de produtos prontos.
É nesse cenário que decola a previsão de que teremos mais de 50% da população brasileira com obesidade nos próximos anos, o que não será diferente na maior parte do mundo.
Uma realidade antagônica. O baixo salário, comprometendo o poder aquisitivo, associado à falta de utensílios e eletrodomésticos para as pessoas realizarem o simples preparo e conservação dos alimentos, leva grande parte desses cidadãos a viverem à base de produtos ultraprocessado – mais prático, mais barato, mais calórico, mais desequilibrado nutricionalmente.
O tradicional comida brasileira – feijão, arroz, salada e carne – virou uma iguaria. Alimentos saudáveis, como peixes, cereais, legumes e frutas, acabam ficando para trás devido ao preço e à falta de instalações adequadas para conservá-los e prepará-los. Sem mencionar tempo cozinhar… O que já é escasso para quem precisa trabalhar, cuidar dos filhos e viajar.
Mesmo com todos os desafios na escolha de alimentos naturais e saudáveis em vez de fórmulas industriais, o fator determinante para essa mudança na dieta foi o preço. Alimentos saudáveis são perecíveis e caros. Biscoitos e refrigerantes demoram mais para estragar e são mais acessíveis. A opção tornou-se óbvia. Pelo preço de um punhado de frutas você pode comprar cinco pacotes de macarrão instantâneo!
Temos uma população global de cerca de 8 bilhões de pessoas. A introdução de alimentos ultraprocessados foi um caminho necessário, pois não teríamos capacidade de produzir diariamente alimentos frescos para todos. Mas o preço que pagaremos excesso desses produtos na dieta deve ser maior do que a escassez de alimentos.
Doenças como obesidade, câncer, diabetes e problemas cardiovasculares temos uma relação direta com esse novo rumo que estamos seguindo. Economizar para nos alimentarmos não é a melhor opção. Nós, pesquisadores, certamente não concordamos com esses novos hábitos, mas sabemos como é impossível pedir à parcela mais pobre da população que desista deles.
É por isso que precisamos investir em pesquisas e outras estratégias para mudar as coisas. Isto envolve desenvolver produtos industrializados de boa qualidade nutricional, melhorar a agricultura e debater novas formas de aumentar oferecendo comida saudável a todos os lares.
Hoje, as previsões são catastróficas. Se continuarmos nesse ritmo, nenhum sistema de saúde, público ou privado, terá capacidade financeira para tratar infartos, hipertensos, diabéticos e pacientes que necessitam de diálise, próteses ou tratamentos para doenças graves. Este processo precisa ser revertido.
Biologicamente, recebemos um manual simples para sobreviver neste mundo: comer frutas, vegetais, peixes, carnes, grãos, sementes, caminhar e descansar. Invertemos tudo! A mudança deste horizonte depende da sociedade como um todo: cidadãos, indústrias, médicos, cientistas, políticos…
Estamos pagando muito pouco por algo que nos custará muito caro.
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