Dois novos medicamentos que prometem retardar a doença de Alzheimer estão gerando polêmica no mundo da medicina. Alguns pensam que são uma oportunidade sem precedentes. Outros os veem como uma nova decepção após décadas de pesquisas malsucedidas. Estes tratamentos, Leqembi e Kinsula, são “um ponto de viragem”, disse à AFP o biólogo John Hardy, cujo trabalho orientou grande parte da investigação contra a doença de Alzheimer. desde a década de 1990.
Mas para Rob Howard, especialista da University College London, “estão sendo criadas falsas esperanças irrealistas nos pacientes de Alzheimer e nas suas famílias”. Estas declarações resumem as posições muitas vezes ácidas sobre estes dois medicamentos recentemente introduzidos para a doença de Alzheimer, a demência mais comum que afecta milhões de pacientes em todo o mundo.
Um deles é o Leqembi, baseado na molécula lecanemabe e desenvolvido pelos laboratórios Biogen e Eisai. O outro é o Kinsula, baseado no anticorpo donanemab e produzido pela Eli Lilly.
A recepção destes medicamentos, com perfil semelhante, tem sido diferente dependendo dos países.
Os Estados Unidos autorizaram ambos, mas a União Europeia rejeitou recentemente a aprovação do lecanemab, o que sugere uma decisão semelhante para o donanemab.
No final de agosto, o Reino Unido optou por uma via intermédia: autorizou o lecanemab, mas rejeitou o seu reembolso por parte da saúde pública.
A controvérsia reside no facto de, embora sejam os medicamentos mais eficazes alguma vez vistos contra a doença de Alzheimer, a sua eficácia é muito limitada, verificando-se uma diminuição de 30% no declínio cognitivo no início da doença.
O número pode parecer alto, mas é uma pequena diferença considerando que se baseia apenas no período de um ano e meio durante o qual os laboratórios realizaram seus testes. “Os benefícios são tão pequenos que são quase invisíveis”, diz Howard.
Custo astronômico
Para os detratores, a melhora é pequena e o risco é alto: os medicamentos podem causar edemas cerebrais que, ocasionalmente, são fatais. Além disso, o custo é astronômico.
Com o preço exigido pela Biogen/Eisai nos EUA, tratar todos os potenciais pacientes na UE com lecanemab custaria aos cofres públicos uma quantia inacessível de 133 mil milhões de euros (quase 150 mil milhões de dólares ou 812 mil milhões de reais), noticiou a Lancet em 2023.
Os defensores destes tratamentos, incluindo muitos neurologistas, argumentam que podem oferecer aos pacientes meses de autonomia valiosa.
Eles também acreditam que a sua eficácia poderia ser melhorada com uma administração mais precoce, agora que a ciência está a avançar rapidamente no diagnóstico precoce da doença.
Além do debate médico, acusam também a UE e o Reino Unido de contribuírem para a desigualdade na saúde: “os pacientes mais ricos irão para os EUA”, diz Hardy.
O debate sobrepõe-se parcialmente às discussões sobre a “cascata amilóide”, uma hipótese para a origem da doença descrita em 1992 por Hardy.
Essa teoria afirma que a presença de placas de proteína amilóide, uma constante no cérebro desses pacientes, não é um sintoma como os demais, mas sim o fator causador da demência.
É por isso que a maioria dos medicamentos para Alzheimer desenvolvidos ao longo de décadas, incluindo Leqembi e Kisunla, têm como alvo essas placas.
Isto explica em parte a virulência de alguns detratores, que lembram outros tratamentos anteriormente defendidos por médicos e associações, apesar da sua manifesta ineficácia.
Pressão das famílias
O cepticismo de alguns sectores em relação aos novos medicamentos pode dever-se ao facto de os anteriores terem sido defendidos e até elogiados por alguns, apesar da sua ineficácia.
Christian Guy-Coichard, diretor da organização francesa Formindep, que monitora conflitos de interesses médicos, acusou grupos de Alzheimer, pesquisadores e empresas farmacêuticas de serem muito próximos.
Contactada pela AFP, a principal associação de pacientes francesa, France Alzheimer, insiste que recebe muito pouco financiamento da Biogen/Eisai ou da Eli Lilly, mas muita pressão das famílias.
“Eles não compreendem (a decisão da UE) e dizem-nos: ‘Mas eles reagiram’”, afirma o seu diretor-geral, Benoît Durand.
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