Você já parou para pensar que aquele remedinho que sempre ajudou a curar seu dor de cabeça pode se tornar um risco para o seu corpo ao longo dos anos?
Em um país como o Brasil, que registrou um aumento de quase 57,5% no número de pessoas com mais de 65 anos nos últimos doze anos (Censo 2022) e onde se espera que essa faixa etária represente 75,3 milhões de brasileiros até 2070, surge um novo desafio: preparar o sistema de saúde para prestar atendimento adequado a essa parcela da população.
Essa adequação inclui a avaliação dos riscos de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos (sigla MPI em português e PIM em inglês, Medicação Potencialmente Inapropriada). Esta é uma parcela da população com particularidades que não se aplicam aos pacientes mais jovens. Os idosos têm mais doenças concomitantes e necessitam de um maior uso de medicamentos e são mais vulneráveis a eventos adversos.
Os idosos muitas vezes gerem um ou mais problemas crónicos de saúde e têm necessidades específicas, exigindo uma perspetiva diferente. Nessas situações, o uso de determinados medicamentos pode agravar um quadro clínico, por exemplo, e aumentar custos para o paciente e para o sistema de saúde.
Um estudo realizado recentemente pelo Centro de Medicina Avançada do Hospital Sírio-Libanês e publicado no Jornal da Associação Americana de Diretores Médicos (JAMDA) analisado sobre 15 mil internações de pessoas com 60 anos ou mais. A análise foi realizada com auxílio de um sistema de apoio à decisão clínica integrado ao prontuário eletrônico dos pacientes que gera alertas sobre a segurança e o uso correto dos medicamentos.
Nesta pesquisa, avaliamos alertas relacionados aos PIMs para idosos e sua associação com os riscos clínicos de pacientes hospitalizados, destacando os impactos na saúde e na trajetória hospitalar. Os resultados mostraram que, em 71,8% das internações, houve pelo menos um alerta sobre o uso de Medicamentos potencialmente inapropriados para idosos.
É possível que profissionais menos familiarizados com a saúde do idoso subestimem possíveis riscos e tenham maior resistência em realizar revisão medicamentosa. A principal justificativa para manter MPIs de alta crítica na prescrição foi que o paciente já os utilizava continuamente.
Um dos medicamentos mais citados no estudo foi omeprazolque é facilmente adquirido em farmácias e recomendado para problemas gastrointestinais. No entanto, é um medicamento que está associado a uma maior probabilidade de sofrer problemas cognitivos no futuro, provavelmente porque interfere na absorção da vitamina B12 no estômago. Hoje em dia, muitas pessoas tomam este medicamento por conta própria, sem instruções claras.
Mais do que isso: em pacientes hospitalizados, a diminuição da acidez estomacal causada pelo omeprazol pode aumentar a quantidade e variedade de bactérias e aumentar o risco de pneumonia por broncoaspiração quando a pessoa apresenta refluxo.
Podemos citar também a ciprofloxacina, antibiótico prescrito para infecções bacterianas graves ou que não respondem bem aos tratamentos convencionais. Nos idosos, porém, o medicamento pode causar efeitos colaterais como confusão mental, especialmente em pessoas com idade avançada ou com histórico de problemas cognitivos. Esse tipo de reação pode surgir de forma abrupta, muitas vezes nas primeiras 24 horas após o início do uso, manifestando-se por meio de sintomas como desorientação, sonolência, agitação, confusão mental e alterações no ciclo do sono.
Este é um exemplo claro de que Mesmo medicamentos comuns e de fácil acesso podem representar grandes riscos para a velhice e que deve-se ter cuidado ao prescrever. Cada condição deve ser analisada individualmente para saber se existe outro tipo de tratamento e entender se o benefício compensa mais o risco.
Ajuda de novas tecnologias
A vulnerabilidade da população com mais de 65 anos a diversos medicamentos potencialmente inapropriados pode ser explicada através do conceito de reserva funcional. Essa reserva garante a condição adequada do organismo para enfrentar eventos adversos sem interferir no equilíbrio e antes que qualquer problema se manifeste.
A partir dos 30 anos, o corpo começa a perder lentamente parte dessa reserva – mesmo se considerarmos o envelhecimento saudável. É neste momento que algumas ações podem impor consequências maiores ao corpo do que quando o indivíduo era mais jovem. Aumenta, por exemplo, o risco de toxicidade medicamentosajá que a diminuição da reserva funcional pode impactar na degradação de alguns princípios ativos pelo fígado.
A medicina busca recursos para apoiar a tomada de decisão na prescrição de medicamentos. Nesse aspecto, a tecnologia pode ser uma grande aliada. No Hospital Sírio-Libanês, uma ferramenta de IA (inteligência artificial) funciona dentro de um repositório de informações sobre segurança e riscos dos medicamentos, cruzando dados que levam em consideração a faixa etária e o quadro clínico do paciente. Isso vem gerando alertas em tempo real no prontuário onde as prescrições são inseridas. Além dos alertas relacionados aos PIMs, a ferramenta também alerta quando dois medicamentos podem não funcionar bem juntos.
O estudo realizado no Hospital Sírio-Libanês destaca a necessidade de adaptação e modernização dos sistemas de saúde para melhor atender os idosos. A tecnologia para fazer isso já está disponível. Agora é preciso que outras áreas médicas, e não apenas a Geriatria, estejam cada vez mais atentas a prescrição de medicamentos para esta parcela da sociedade.
Pedro Curiati É doutor, doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo e professor da Especialização em Geriatria da Núcleo Avançado de Geriatria (NAGe) do Hospital Sírio Libanês
Este artigo foi publicado originalmente em A conversa sob licença Creative Commons. Leia o publicação original
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