PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Os egípcios podem ter tentado tratar o câncer na cabeça de um paciente há milhares de anos. A possibilidade é levantada em estudo publicado nesta quarta-feira (29/5).
Os pesquisadores examinaram dois crânios com indícios de câncer e, em um deles, observaram que houve intervenções no tumor.
Segundo Edgard Camarós, professor da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, e um dos autores do estudo, esta é a primeira vez que se investiga uma tentativa de manipulação de um câncer em um crânio tão antigo: de cerca de 4 mil anos. anos atrás.
Os dois crânios fazem parte da coleção do laboratório Duckworth, ligado à Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Camaros já tinha trabalhado na universidade inglesa e a sua investigação enquadra-se na área da paleopatologia, “que é a intersecção entre a arqueologia e a medicina” com o objetivo de “compreender como a sociedade interage com as doenças e também como as doenças evoluem”.
No caso desta pesquisa específica, publicada na revista Frontiers, o foco está nos cânceres, sendo a civilização egípcia uma rica fonte de estudos devido à sua medicina avançada na antiguidade. A pergunta que Camarós e outros dois pesquisadores buscaram responder era clara: seria possível encontrar vestígios de tratamento ou como morriam pessoas que sofriam de câncer no antigo Egito?
Edgard Camarós, paleopatologista da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, é um dos autores da pesquisa
Arquivo pessoal
E eles encontraram. Mas, para chegar aos resultados, os autores do estudo realizaram inicialmente uma análise macroscópica dos crânios. O objetivo era identificar se se tratava de fato de um caso de câncer, algo possível de observar porque um tumor maligno destrói e cria novos ossos, deixando padrões específicos no crânio.
Após esta primeira etapa, o estudo envolveu um sistema de microtomografia computadorizada. Utilizado hoje em pacientes com câncer, esse equipamento realiza uma espécie de raio X 3D de alta resolução. Com isso, foi possível diagnosticar a situação do câncer que se desenvolveu naquele crânio. Análises microscópicas também foram adotadas durante a pesquisa.
Usando esses métodos, foi possível observar que um dos crânios, nomeado de número 236 no estudo e datado de 4 mil anos atrás, apresentava sinais da doença. Segundo o estudo, a pessoa inicialmente apresentava câncer nasofaríngeo, na região do pescoço. O tumor metastatizou e se espalhou para a cabeça. Os pesquisadores notaram que os egípcios realizaram cortes nesses tumores secundários. “Essa é uma pista para dizer que fizeram uma intervenção cirúrgica”, resume Camarós.
A análise também forneceu informações sobre como essa intervenção foi realizada. “Ao estudar o formato dessas marcas de corte, sabemos que usavam algum tipo de metal muito afiado, lâminas que poderiam ter naquela época. Isso é algo que também observamos nos hieróglifos, onde vemos imagens de ferramentas que lembram pequenos facas de corte. Provavelmente eram os mesmos tipos de facas. […] que eles usaram para cortar com precisão o tumor.”
O segundo crânio, chamado de 270 e com pelo menos 2.300 anos, também apresentava sinais de câncer, mas não há evidências de intervenção. Além do tumor, o crânio apresenta sinais de traumas ocorridos antes da doença – isso foi tratado pelos egípcios.
Camarós chama a atenção para esse fato ao demonstrar que, embora avançada, a medicina desta civilização tinha suas limitações relacionadas ao câncer. Embora tenham conseguido tratar e curar o trauma, isso não aconteceu com o tumor daquele segundo crânio.
E o que aconteceu depois?
A descoberta do câncer em um crânio tão antigo anima Camarós, principalmente quando também se observa a intervenção no tumor. No entanto, algumas questões permanecem em aberto.
Um deles é o momento em que retiraram o tumor do crânio de 4 mil anos atrás. A pesquisadora afirma que isso pode ter ocorrido enquanto o paciente ainda estava vivo ou logo após sua morte. Portanto, existem dois pressupostos para as motivações da intervenção: se o corte ocorreu enquanto o indivíduo estava vivo, o objetivo era realizar o tratamento; Se fosse com o morto, uma possibilidade é que os egípcios quisessem fazer uma autópsia para investigar o tumor.
Além disso, não é possível compreender o que aconteceu após a realização da intervenção. Os pontos em aberto mostram como o campo de estudo ainda pode evoluir. Camarós defende que é preciso aprimorar as tecnologias disponíveis, como possibilitar a realização de análises moleculares de câncer em ossos antigos – o procedimento já é realizado em casos contemporâneos – para trazer ainda mais respostas sobre a relação entre a doença e o passado. sociedades.
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