Estudo desenvolvido na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) abre uma nova perspectiva de tratamento e cura para pacientes com leishmaniose cutânea, com altos níveis de evidência científica. A doença, transmitida pela picada de um inseto que se alimenta de sangue, tem tratamentos antigos que podem ser tóxicos para o coração, fígado e pâncreas.
“A maior luta que enfrentamos neste trabalho é que não faz sentido que as pessoas morram em consequência do tratamento de uma doença que normalmente não mata pessoas. E o que temos de tratar são estes medicamentos muito tóxicos”, afirmou. explicado para Agência Brasil o dermatologista Marcelo Rosandiski Lyra, pesquisador do Laboratório de Pesquisa Clínica e Vigilância de Leishmanioses do Instituto Nacional de Infectologia (INI) Evandro Chagas, da Fiocruz. O especialista destaca que mesmo para os pacientes que não morrem, as complicações do tratamento convencional são muito altas. “Porque o paciente também sofre com o tratamento, ele tem dores musculares, dor de cabeça. Ele pode ter uma série de complicações relacionadas ao tratamento”.
Coordenado no Rio de Janeiro por Lyra, o estudo propõe uma mudança no tratamento da leishmaniose cutânea, substituindo o tratamento convencional pelo tratamento intralesional, ou seja, aplicando o medicamento na própria lesão. No Rio, foram sorteados dois grupos de pessoas com leishmaniose cutânea, tratados de forma diferenciada e acompanhados durante dois anos. “Nesse período monitoramos todas as repercussões que tiveram e o paciente volta diversas vezes ao consultório. Ele é atendido com muito cuidado”. Segundo Lyra, o trabalho apresentou uma força de evidência muito forte. “Ele conseguiu comprovar que é um tratamento com 83% de eficácia de cura, enquanto o tratamento convencional tem 68%. E em termos de segurança e redução de efeitos colaterais, foi um vencedor”.
O estudo contou com apoio de diversas instituições, como Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB), Faculdade de Medicina Tropical de Manaus, Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Universidade Federal de Mato Grosso Grosso do Sul (UFMS), entre outros, o que, para Marcelo Lyra, é importante para dar caráter nacional aos resultados.
Doença tropical
A leishmaniose é uma doença causada por protozoários pertencentes ao gênero Leishmania e transmitida pela picada de um inseto hematófago. [que se alimenta de sangue] da família dos flebotomíneos, popularmente conhecidos, entre outros nomes, como flebotomíneos. A leishmaniose é uma doença que ocorre em regiões tropicais, em países em desenvolvimento, e pode afetar humanos e outros animais.
Existem dois tipos de leishmaniose, a cutânea ou tegumentar, que causa feridas na pele e mucosas, e a visceral, que atinge órgãos internos e tem o cão como principal hospedeiro. Não há, no entanto, transmissão direta entre pessoas e pessoas e cães. A leishmaniose visceral é uma doença extremamente grave. “Se a pessoa não tratar, até 90% morre sem tratamento, porque os órgãos internos são afetados”, explicou Lyra. A leishmaniose cutânea pode afetar, além da pele, mucosas do nariz e da boca. “É uma doença grave porque, às vezes, o paciente causa lesões desfigurantes, feridas muito grandes na pele. Mas, embora seja desfigurante nos casos mais graves, a doença não costuma ser letal. tem um impacto social importante, mas é pouco provável que uma pessoa morra em consequência desta doença”.
Manual
O último manual do Ministério da Saúde que regulamenta as normas de tratamento da leishmaniose é de 2017. Um novo manual deverá ser publicado até 2025. O anterior já incluía o tratamento intralesional, mas ainda com muitas restrições, indicado apenas para lesões muito pequenas e únicas. Lyra quer ver o novo tratamento para lesões maiores incluído no manual, em pacientes com maior número de lesões. “Como era muito restrito (no manual anterior), praticamente ninguém fazia isso. Ampliando as recomendações, vamos abranger um número maior de pessoas”.
Para a pesquisadora, em termos de saúde pública, é positivo ver mais pessoas utilizando o tratamento intralesional, pois reduz a letalidade e os efeitos colaterais. “O tratamento é mais barato porque, como é feito diretamente na lesão, a quantidade de medicamento aplicado fica em torno de 10% a 15% do que é feito no tratamento convencional. o Ministério da Saúde queria: existe remédio mais barato, mais seguro, tão eficaz ou mais eficaz. O tratamento convencional não beneficia ninguém”.
O trabalho do dermatologista e pesquisador da Fiocruz foi premiado no 76º Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). O artigo científico “A Randomized, Controlled, Non-inferiority and Multicenter Trial of Systemic vs Intralesional Treatment with Meglumine Antimoniate for Cutaneous Leishmaniasis in Brazil”, também foi considerado uma das dez publicações mais importantes na área de doenças parasitárias no Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas (ECCMID), realizado recentemente em Barcelona, Espanha. O estudo foi reconhecido por minimizar os efeitos colaterais do tratamento convencional da leishmaniose e, portanto, prevenir mortes, reduzindo a morbidade e com menor custo. A obra foi publicada em 2023 na revista Doença Infecciosa Clínica, especializado em doenças infecciosas. As premiações, segundo Marcelo Lyra, dão credibilidade para fazer as mudanças necessárias no país.
Lyra lamentou que não haja interesse de grande parte da comunidade internacional pelo tema por ser uma doença de países pobres, até porque esse tipo de tratamento não gera dinheiro para ninguém. Reverte para a saúde pública ao reduzir custos. Como não serão vendidos medicamentos nem vacinas, o tema não tem grandes promotores deste tipo de investigação, explicou.
Paciente
Fernando Correa Losada, engenheiro civil e advogado, 65 anos, foi encaminhado à Fiocruz, por meio do Serviço Municipal de Epidemiologia, em setembro de 2023, com suspeita de leishmaniose. Apresentava lesão ulcerada no dorso da mão esquerda, sem dor ou coceira. Foi utilizada antibioticoterapia, sem sucesso clínico. Na consulta realizada no mês seguinte na Fiocruz, Marcelo Lyra realizou a única biópsia que confirmou a doença.
Após o resultado positivo, o tratamento de Losada começou no dia 6 de novembro do ano passado. Por apresentar bloqueio de ramo cardíaco esquerdo, foi submetido a tratamento intralesional, pois o tratamento tradicional era contraindicado. “A resposta foi excelente”, garantiu o paciente.
Ele relatou que no último exame sorológico para leishmaniose, realizado no início de fevereiro deste ano, o resultado foi não reagente. “Estou curado”, comemorou Losada. O acompanhamento que terá de fazer inclui consultas e exames de sangue, em intervalos maiores.
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