Pesquisa realizada por cientistas do Instituto Butantan, em São Paulo, constatou que o extrato aquoso de própolis é capaz de combater a replicação dos vírus zika, chikungunya e mayaro. Os três patógenos são transmitidos pela picada de mosquitos que circulam no Brasil e causam doenças infecciosas (arboviroses) para as quais ainda não há vacina ou tratamento específico disponível, o que motiva a busca por compostos com potencial antiviral. O extrato foi testado em vitro e reduziu significativamente a carga viral dos três vírus.
O estudo, realizado no Centro de Toxinas, Resposta Imunológica e Sinalização Celular (CeTICS), foi liderado pelos pesquisadores Pedro Ismael Silva Júnior, do Laboratório de Toxicologia Aplicada, e Ronaldo Mendonça, do Laboratório de Parasitologia do Butantan. Os resultados foram publicados na revista “Scientific Reports”.
Esta não é a primeira vez que o grupo investiga o potencial antiviral e antibacteriano da própolis. Um estudo anterior da equipe, feito com extrato hidroalcoólico da substância, já havia indicado intensa atividade contra os vírus do herpes, influenza e rubéola. Com base nos primeiros resultados, os cientistas decidiram avaliar se o extrato aquoso teria a mesma atividade sobre outros tipos de vírus também importantes do ponto de vista da saúde pública no país.
Preparação e análise de extrato
Para chegar aos resultados, o grupo utilizou própolis produzida pelas abelhas nativas sem ferrão Scaptotrigona aff postica, originárias de uma colônia na região de Barra do Corda, no Maranhão. A própolis foi obtida por raspagem da caixa de meliponicultura, formando uma espécie de pasta. Este material foi transportado e congelado a -20°C, formando um caroço de própolis congelado.
Essa pedra foi macerada manualmente até se tornar um material granulado, que passou por peneiras. Em seguida, o produto foi moído até se tornar um composto ainda mais fino, para passar novamente pelas peneiras granulométricas e virar pó. Por fim, os pesquisadores adicionaram água ultrapurificada ao pó e o material foi centrifugado por 30 minutos para separar a cera do meio líquido. O sobrenadante (a fase líquida no topo) foi filtrado e o produto foi considerado 100% purificado
Para determinar a ação antiviral do extrato de própolis, os pesquisadores infectaram células VERO (linhagem originada de rim de macaco, muito utilizada nesse tipo de estudo), que foram cultivadas a 37°C em microplacas. O crescimento e a morfologia dessas células foram monitorados diariamente pela equipe. “Contaminamos as culturas com os três vírus em questão e aplicamos apenas uma vez a substância que queríamos analisar, na proporção de 10% em volume. A partir daí fizemos uma diluição seriada, ou seja, reduzimos a quantidade dessa solução para ver qual quantidade impediria a multiplicação do vírus”, explicou Silva Júnior.
Os pesquisadores observaram que o extrato aquoso de própolis purificado promoveu redução de 16 vezes na carga viral do Zika e de 32 vezes na do vírus Mayaro. No caso da chikungunya, a redução foi ainda mais significativa, 512 vezes.
Mais pesquisas
Por enquanto, os resultados alcançados ficam restritos ao ambiente laboratorial, mas as pesquisas continuam. Numa segunda etapa do trabalho, o grupo coletou própolis mês a mês, para associar o produto final à floração de cada período. Isso ocorre porque a abelha Scaptotrigona aff postica utiliza plantas da região do Maranhão, diferentes das plantas encontradas no Sudeste e, portanto, a própolis obtida provavelmente possui componentes específicos relacionados a espécies endêmicas do local.
“Já observamos que há diferenças ao longo do ano. Agora queremos identificar quando surge a substância com ação antiviral, porque queremos associá-la à planta que a abelha utiliza para produzir própolis”, explicou Silva Júnior.
É importante destacar que a própolis do estudo é diferente daquela comercial encontrada em farmácias. O produto vendido ao consumidor, em geral, é um extrato alcoólico que mistura todos os componentes da própolis e, na maioria das vezes, costuma ser proveniente da espécie Apis mellifera (abelha europeia), que predomina nos apiários. A própolis utilizada nesta pesquisa é proveniente da abelha nativa brasileira Scaptotrigona aff postica e os compostos com atividade antiviral são separados, purificados e isolados.
Bioativos
A busca por potenciais medicamentos na natureza – os famosos compostos bioativos – é um dos grandes focos da ciência. O Brasil possui uma área muito grande com fauna e flora extremamente variadas e utilizar substâncias originárias da nossa floresta é muito importante, tanto do ponto de vista científico quanto econômico, pois pode reduzir os custos do produto final.
A pesquisadora ressalta que o objetivo da pesquisa é tentar identificar um composto que possa ser utilizado tanto na prevenção quanto no tratamento de pessoas infectadas por vírus. “Ainda não temos elementos para chegar a este ponto, mas a ideia é atingir os dois objectivos”, afirmou Silva Júnior.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer. “Se estivermos pensando em criar um possível medicamento, muito mais estudos terão que ser feitos. Esta é uma descoberta super importante, mas os resultados foram obtidos em vitro. Pesquisa ainda precisa ser feita in vivo com ratos e porquinhos-da-índia para verificar se o efeito antiviral seria confirmado e, só mais tarde, iniciar pesquisas em seres humanos”.
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