Ainda no início da pandemia da COVID-19, um grupo de pesquisadores brasileiros mostrou de forma pioneira porque a infecção pelo SARS-CoV-2 tende a ser mais grave em pacientes diabéticos. Agora, a mesma equipe do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) descobriu um dos motivos pelos quais pessoas obesas que não têm diabetes ou mesmo resistência à insulina também apresentam risco aumentado de desenvolver a doença grave. forma da doença.
“Novos experimentos mostram que os mecanismos moleculares são muito diferentes nos dois casos”, diz Pedro Moraes-Vieira, professor do IB-Unicamp que coordena a investigação, à Agência FAPESP. A pesquisa é apoiada pela FAPESP por meio de dois projetos e também está vinculada ao Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC) – Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) sediado na Unicamp.
Os dados foram apresentados no dia 29 de junho, em painel dedicado a temas de saúde e biomedicina que fez parte do programa FAPESP Week China. Também participaram da sessão Zhang Zhiyong, da Universidade Médica de Guangzhou; Luciana Cezar de Cerqueira Leite, do Instituto Butantan; Xin Jin, cientista-chefe de pesquisa da empresa chinesa BGI; e Dan Zhang, cofundador da empresa Hillgene BioPharma, também da China. Os mediadores foram Xin Jin e Simone Appenzeller, da Unicamp.
Em artigo publicado em maio de 2020, o grupo da Unicamp mostrou que, no caso dos diabéticos infectados pelo SARS-CoV-2, o maior nível de glicose no sangue é captado por um tipo de célula de defesa conhecida como monócito e serve como uma fonte extra de energia que permite que o vírus se replique mais do que em um organismo saudável.
Em resposta ao aumento da carga viral, os monócitos começam a liberar uma grande quantidade de citocinas [proteínas com ação inflamatória], que causam uma série de efeitos, como a morte de células pulmonares. Os pesquisadores relataram ainda que, nos pulmões de pacientes com COVID-19 grave, monócitos e macrófagos eram as células mais abundantes. E a chamada via glicolítica, que metaboliza a glicose, estava bastante aumentada nesses leucócitos.
O trabalho mais recente, cujos resultados deverão ser publicados em breve, mostra que em pessoas obesas não diabéticas, a hiperinflamação está relacionada ao aumento dos níveis sanguíneos de ácidos graxos saturados – principalmente um tipo conhecido como palmitato. Também conhecido como ácido palmítico, é o principal componente do óleo de palma. Está presente na carne bovina, no leite e seus derivados.
“Através de experimentos em vitroobservamos que o palmitato promove pré-ativação de células da imunidade inata [a primeira que entra em ação diante de uma infecção]. Eles estão em estado de alerta, prontos para responder com mais intensidade caso detectem uma ameaça. Quando infectamos essas células pré-ativadas com o SARS-CoV-2, elas produzem uma quantidade muito maior de citocinas inflamatórias”, relata Pedro.
Pedro Moraes-Vieira, professor da Unicamp, em palestra apresentada na FAPESP Week China (foto: Karina Toledo/Agência FAPESP)
Imunidade prejudicada
Em trabalhos anteriores, o grupo da Unicamp já havia observado que, no contexto da COVID-19, essa “tempestade de citocinas” produzida por monócitos e macrófagos é a base de dois fenômenos bastante indesejáveis: a morte de células epiteliais pulmonares e a disfunção do sistema adaptativo. resposta imune – aquela que entra em ação cerca de duas semanas após a infecção e está relacionada à ação de células (principalmente linfócitos T) capazes de reconhecer e matar patógenos de forma específica.
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“Quando cultivamos células T em meio condicionado por monócitos infectados pelo SARS-CoV-2, notamos menor capacidade proliferativa, redução da secreção de citocinas inflamatórias e maior expressão de uma proteína chamada PD-1, cujo papel é sinalizar aos linfócitos T quando chegar a hora de parar de combater a infecção”, explica a pesquisadora.
A ideia é que essa sinalização ocorra depois de um tempo, para que não haja resposta imunológica exacerbada. No contexto da COVID-19 grave, contudo, a PD-1 faz com que os linfócitos T parem de funcionar mesmo antes da doença ser resolvida. “Isso leva a um processo chamado exaustão, comumente encontrado em células T presentes em tumores, por exemplo, e associado a um pior prognóstico”, acrescenta.
“Essas descobertas nos ajudam a entender por que as pessoas com obesidade não diabética também estão mais predispostas a desenvolver COVID grave. Claro, este não é o único fator. Mas estamos contribuindo com mais um tijolo para a construção dessa história”, afirma Pedro.
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