Estudo mostra relação entre dependência da internet e ideação suicida – Jornal Estado de Minas
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A universitária Milena Dias estuda jornalismo em Brasília e diz que todo mundo acha estranho ela não ter rede social. A estudante acredita que, em algum momento, isso vai mudar, mas por enquanto gosta de não fazer parte do ambiente virtual.
“Não sinto falta de postar fotos minhas, não sinto falta de ver as postagens de outras pessoas, [porque] é um mundo separado da realidade. É diferente da vida real, é um mundo cheio de estereótipos e, mais do que isso, muita exposição.”
Para a estudante de nutrição Maria Eduarda Nestali, que também mora na capital federal, as redes sociais são importantes: “Tenho WhatsApp, Instagram, TikTok, mas tenho muito cuidado com o conteúdo que assisto”, pondera Maria Eduarda.
Estudos indicam que o impacto da internet na saúde mental pode ser tanto positivo quanto negativo, dependendo de como ela é utilizada. A necessidade de se manter conectado à rede mundial de computadores preocupa especialistas, que apontam a relação entre o consumo excessivo de plataformas on-line e transtornos mentais, como depressão e ansiedade.
Foi em busca de uma resposta para o que acontecia com os estudantes da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) que a professora Irena Penha Duprat decidiu aliar seu interesse pelo uso excessivo da internet às pesquisas sobre a chamada ideação suicida. Este ano, ela defendeu, na Universidade de São Paulo (USP), sua tese O papel da Internet na saúde mental de jovens universitários e sua relação com Ideação suicida.
Irena Duprat observou, em 2017 e 2018, um aumento no número de estudantes com problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, e algumas tentativas de suicídio, o que, segundo ela, foi muito preocupante. “Queria saber se o uso excessivo influenciava nos pensamentos suicidas do aluno”, explica.
Foram entrevistados 503 estudantes de seis cursos da área da saúde. “Eles responderam alguns questionários e, entre eles, um teste sobre dependência de internet e outro sobre ideação suicida, além da questão sociodemográfica para entender o perfil de cada aluno”, conta Irena.
Cerca de 51% dos estudantes foram classificados como portadores de algum tipo de dependência: leve, quando a pessoa usa muito a internet, mas tem consciência disso e consegue parar; e moderada e grave, quando não há mais essa percepção. Irena explica que, nestes dois últimos casos, a dependência é comparada a qualquer outra, sem limites. “No caso da ideação suicida, no questionário, tivemos uma prevalência de 12,5% de alunos com ideação presente”, revela.
Onze dos entrevistados com sintomas depressivos apresentaram maior frequência de ideação suicida, assim como aqueles com alto nível de ansiedade. Ainda segundo a pesquisa, a ideação suicida foi maior entre os estudantes que relataram dependência moderada ou grave de internet.
“O uso da internet [é] como mecanismo de fuga para diversas situações de suas vidas. Principalmente aqueles que relataram problemas como depressão, ansiedade, estresse. Na verdade, eles usaram a internet como refúgio para fugir dos problemas”, aponta a professora Irena Duprat.
O impacto negativo também se faz sentir no caso da exposição nas redes sociais como Instagram e Facebook, especialmente na saúde mental das mulheres. A professora diz que, para as jovens, é “algo que influencia na questão dos pensamentos suicidas, principalmente em relação a esses conteúdos que podem gerar sentimentos de inferioridade e baixa autoestima”.
“Por quê? Porque olhamos para essas redes sociais, oinfluenciadorese as pessoas parecem ter felicidade. As mulheres apresentam o ideal de beleza que muitas vezes quem olha não sente”, destaca.
A psicóloga Karen Scavacini, do Instituto Vita Alere, que se dedica ao trabalho de prevenção e posvenção (apoio nos processos de luto) do suicídio, também avalia que o uso da tecnologia pode ser positivo ou negativo.
“É difícil estabelecermos o que começa primeiro, se o uso excessivo da tecnologia leva a problemas de saúde mental ou influencia os problemas de saúde mental; ou se as pessoas já estão lidando com problemas de saúde mental e acabam usando redes excessivamente, por causa disso” , destaca a psicóloga Karen Scavacini.
Karen acredita que os impactos dependem da vulnerabilidade das pessoas, estejam elas passando por situações delicadas ou tenham algum transtorno mental não tratado ou não diagnosticado. Também estão relacionados aos horários de uso e como é esse uso – se é mais passivo ou mais ativo.
Outro fator que merece atenção é o que a rede tem oferecido aos usuários em função do conteúdo que procuram, com base nos algoritmos. “Se ela vai procurar depressão, que informações ela recebe? Se ela procura automutilação, se ela procura suicídio, o que ela encontra? Então, o que as redes oferecem em termos de conteúdo”.
A psicóloga lembra que, em muitos casos, as pessoas recorrem às redes para procurar grupos aos quais pertencem, para conversar e pedir ajuda. Ela cita pesquisas recentes que mostram que muitos jovens, por exemplo, têm pesquisado na internet informações sobre saúde mental e como superar o preconceito e o estigma em relação ao assunto.
O Instituto Vita Alere oferece materiais educacionais gratuitos e de acesso aberto. Desde um baralho de cartas que pode ser usado em sala de aula por professores para abordar o tema prevenção ao suicídio na internet, até uma cartilha para pais e educadores sobre o tempo de tela. No ano passado, o instituto inaugurou um centro de inovação para estudos em saúde mental, tecnologia e suicidologia.
O instituto também oferece o Mapa de Saúde Mentalum mapeamento nacional dos locais de cuidados de saúde mental gratuitos no país. Os interessados podem acessar o Mapa Tecnológicoque mostra locais de ajuda específicos para pessoas que sofrem ou sofreram violência on-line.
Karen Scavacini destaca que, hoje em dia, a tecnologia pode funcionar como aliada e cita, por exemplo, aplicativos que indicam onde procurar informações e outros tipos de ajuda para pessoas em dificuldades.
Outro exemplo são as terapias virtuais desenvolvidas para alguns cuidados específicos, como no caso de pessoas com transtorno de estresse pós-traumático, além do uso de jogos para ajudar crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. “A tecnologia também oferece novos tratamentos e formas alternativas ou complementares de tratamento para a saúde mental”, ressalta.
A psicóloga orienta os interessados a buscarem fontes confiáveis, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Associação Brasileira de Prevenção ao Suicídio, a Associação Brasileira de Sobreviventes por Suicídio e o próprio Instituto Vita Alere.
Para Irena Duprat, que realizou o estudo sobre internet e ideação suicida entre universitários, é preciso conscientização sobre o uso das redes. Afinal, a tecnologia veio para ficar.
“É inevitável que a internet faça parte da vida de todos. Ela traz benefícios, não podemos pensar só no lado negativo. É uma das maiores revoluções tecnológicas dos últimos 20 anos, mas, como tudo em excesso, pode trazer algo prejudicial, também pode. Então, precisamos trabalhar essa consciência de usar com moderação. É saber até que ponto esse uso pode realmente trazer benefícios ou malefícios”, argumenta.
O vício em internet pode ser tratado com psicoterapia e, em alguns casos, medicamentos, associados a tratamentos para depressão e ansiedade.
Saúde mental do estudante
Algumas universidades têm iniciativas voltadas à saúde mental dos estudantes. É o caso da Universidade Federal Fluminense de Campos dos Goytacazes (UFF Campos).
Bruna Oliveira Silva é estudante do último ano de psicologia. Para ela, a vida universitária não é fácil. “Estar num ambiente académico, onde muitas vezes estamos sujeitos a rotinas desgastantes, relacionadas com a pressão das disciplinas, com prazos a cumprir. O facto de estarmos longe do nosso núcleo familiar, como é o caso de muitos alunos do nosso centro. muito difícil e exige muito esforço mental dos alunos.”
Com o aumento das queixas associadas à saúde mental dos estudantes, identificadas pela assistência estudantil, a UFF Campos desenvolveu, em 2017, o projeto Cuca Legal, uma parceria entre a equipe de assistentes sociais e professores do Departamento de Psicologia.
No Cuca Legal, os alunos podem conversar sobre seus anseios e dúvidas, além de aprender algumas habilidades necessárias ao ambiente universitário, como destaca a professora do Departamento de Psicologia Ana Lúcia Novais Carvalho. O projeto conta com reuniões mensais, oficinas semanais e mantém um Perfil do Instagram.
Neste caso, segundo Ana Lúcia, a rede social é uma espécie de intervenção psicoeducativa, “onde identificamos quais os temas mais abordados pelos alunos”. “Por exemplo, a questão do sono. Às vezes podemos subestimar a necessidade de dormir, mas o sono pode ter um impacto significativo na nossa saúde mental.”
Os alunos que precisam recebem assistência estudantil individual. Um psicólogo oferece consultas. Os encaminhamentos são feitos dentro da própria instituição, quando necessário, e, se for o caso, para a rede estadual de saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS) conta com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), dedicada ao cuidado da saúde mental.
Setembro Amarelo
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2000 a 2019, o suicídio foi a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo.
Ao longo do mês de setembro, os profissionais de saúde intensificam ações voltadas à saúde mental e à conscientização relacionada à importância de preservar a vida. É a campanha Setembro Amarelosensibilizar para a importância da prevenção do suicídio.
A psicóloga Karen Skavacini destaca a necessidade da participação das escolas nesse processo e destaca a importância de falar abertamente sobre o assunto. “Quando falamos abertamente sobre um assunto, temos a capacidade de mudar as coisas sobre ele, então eu diria que aproveitamos este mês para refletir o nosso papel e para ampliar esse conhecimento e cuidado para todos os outros meses”.
Qualquer pessoa que esteja passando por um momento difícil pode encontrar ajuda em Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e nas unidades básicas de saúde, ou no Centro de Valorização da Vida (CVV), que pode ser contatado pelo telefone 188 ou pelo telefone Internet.
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