SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A bióloga Ana Bonassa e a farmacêutica Laura Marise, criadoras do canal “Não Vi 1 Cientista”, foram condenadas a indenizar, por danos morais, o nutricionista André Luis Lanca, após contestarem publicamente uma postagem sua que associava diabetes com presença de vermes no corpo.
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“Estamos cansados, porque mesmo que o público esteja a nosso favor, um processo é desgastante”, diz Bonassa em entrevista à Folha. “Não fomos os primeiros e não seremos os últimos a ser processados, mas é nossa responsabilidade mostrar que esse tipo de decisão está sendo tomada no Judiciário”.
A indenização de R$ 1 mil faz parte da decisão da juíza Larissa Boni Valieris, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível (JEC) de São Paulo. As editoras científicas vão recorrer da decisão.
Em junho de 2023, editores científicos publicaram um vídeo alertando sobre um conteúdo compartilhado pela nutricionista Lanca em que era feita uma associação entre diabetes e parasitas no pâncreas.
Lanca é dona do perfil “Dr. Lanza” no Instagram e da clínica Lanza Saúde Integrativa, em Jundiaí (SP). Ele havia republicado conteúdo do terapeuta holístico Jaime Bruning, no qual afirmava que a causa do diabetes são “vermes que atacam o pâncreas”.
No post, Lanza escreveu que “diabetes é um verme” e que bastava comentar “Eu quero” em seu post para saber mais sobre o tratamento de desparasitação.
No vídeo da dupla editorial, Bonassa mostrou que diabetes não tem nada a ver com vermes. “Se você ver alguém propagando isso, denuncie e bloqueie. Porque isso é desinformação e está saindo forte para vender cursos”, disse o promotor.
“É um problema na ação ou na quantidade da insulina, ou mesmo em ambos. E a consequência é o aumento da glicemia. Isso causa uma série de problemas, como amputações de membros, cegueira, doenças renais, problemas cardíacos e pode levar à morte . E o que causa isso? Existem vários fatores, desde a sua genética até o seu estilo de vida, mas nenhum desses fatores são vermes”, disse Bonassa no vídeo, que foi retirado do Instagram.
Bonassa diz que comentou a postagem de Lanza dizendo que ele espalhava desinformação, mas foi bloqueada pela nutricionista. Ela então pediu a seus seguidores que o avisassem que seu conteúdo continha desinformação. Em setembro de 2023, foram processados.
O perfil do nutricionista, que contava com mais de 60 mil seguidores, foi deletado por ele, segundo a ação. Porém, criou uma nova página, agora com 16 mil seguidores, onde divulga cursos e vende e-books.
Em reação ao ocorrido, a SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e o Conselho Federal de Nutrição divulgaram nota com esclarecimentos e orientações sobre diabetes. “É uma condição clínica, crônica e incurável, que pode vir acompanhada de complicações impactantes”, afirmam as entidades. “Portanto, é de suma importância que essas pessoas estejam totalmente engajadas no tratamento adequado”.
Após audiência conciliatória em que não houve acordo, o caso foi julgado pelo desembargador Valieris. Ela entendeu que o nutricionista foi submetido a “vergonha e tristeza” e teve seus dados divulgados “sem autorização” em uma “rede social de grande alcance” – o perfil Nunca Vi 1 Cientista tem 455 mil seguidores.
Na decisão, o juiz diz que a atitude resultou em uma “mancha” na imagem de Lanza e, consequentemente, em prejuízos “na venda de seus serviços”.
Lanza foi procurado pela Folha, mas ainda não respondeu às tentativas de contato por e-mail e WhatsApp.
Os advogados de Lanza entraram com pedido de sigilo do processo.
“Queríamos expor o caso para evitar que acontecesse novamente. É muito perigoso para o trabalho dos divulgadores científicos e de outras pessoas que combatem a desinformação se houver uma condenação por isso”, afirma a farmacêutica Laura Marise. “Qualquer promotor que passe por isso não deve ficar calado.”
QUESTÕES
Uma das acusações do nutricionista foi a exposição de dados sensíveis, como o número do seu CRN (Conselho Regional de Nutrição) e da sua cidade de atuação, Jundiaí. A informação, porém, está disponível no perfil aberto da nutricionista na rede social.
Na opinião da advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital e presidente do Truzzi Advogados, que não participa do processo, o uso pode ter sido extrapolado do vídeo dos cientistas, e a presença de informações pessoais pode ter influenciado a profissão docente .
Os promotores também foram questionados sobre os direitos de imagem da nutricionista, cuja foto de perfil foi exposta. O argumento é que há violação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), uma vez que a biometria facial é considerada dado sensível por lei.
“A partir do momento em que alguém cria um conteúdo, posta uma foto em uma rede social aberta, o usuário tem que estar atento aos riscos e condições que isso implica”, afirma Truzzi. “Presume-se que a pessoa está ciente de que pode perder o controle sobre aquele conteúdo”.
Para Truzzi, como o perfil do acusador era aberto e contava com milhares de seguidores, a acusação não viola o direito à imagem nem as diretrizes da LGPD.
Bonassa lembra que o diabetes, doença sobre a qual foi feito o vídeo da nutricionista, não tem cura. “As pessoas caem nas fake news porque é uma doença que pode ser controlada, e isso é para a vida toda, então o paciente se cansa e busca alternativas, mas tem que desconfiar imediatamente de promessas milagrosas”, afirma.
Enfrentando o processo há um ano, eles continuam produzindo conteúdos para combater a desinformação nas redes sociais. “Não vamos parar”eles dizem.
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