Como diziam as nossas avós, nada como um boa noite de sono…Mas o que é um bom sono? E qual é o impacto do sono no processo de envelhecimento?
Em nossa pesquisainvestigamos a associação entre distúrbios do sono e desempenho cognitivo em adultos e idosos.
E os resultados sugerem que ambos durma pouco e dormir demais são prejudiciais às funções cognitivas, como memóriafluência verbal, funcionamento executivo, além de cognição global.
Sono prejudicado
O ritmo acelerado e globalizado da sociedade atual pode resultar em mudanças comportamentais e sociais que acabam por afetar o sono. A busca desenfreada pelo tempo acelera o ritmo de vida, resultando em alterações em diversas dimensões do cotidiano, inclusive na disponibilidade para dormir.
Que aceleração social pode ser impulsionada por diversos fatores, como avanços tecnológicos, globalização, mudanças culturais e subjetivas. E isso implica a busca constante por realizar cada vez mais atividades em menos tempo, sugerindo um traço constitutivo da modernização. Com isso, as pessoas adotam estilos de vida mais agitados, com atividades laborais mais prolongadas, além de conectividade permanente.
Estas características da vida social atual podem criar dificuldades de desconexão ou relaxamento, o que afeta negativamente o sono. Com isso, queixas relacionadas às alterações do sono, como duração e insônia, têm se tornado cada vez mais comuns na população adulta.
Pesquisa recente de base populacional demonstraram alta prevalência de insônia (45,9% a 58,6%) entre brasileiros com 50 anos ou mais. Outro estudo aponta tendência para sono curto (6h ou menos) entre aqueles com idade entre 40 e 59 anos e sono prolongado (9h ou mais) naqueles com 60 anos ou mais.
E isso pode ser um problema, pois o sono pode beneficiar habilidades cognitivas importantes como a memória, agindo sobre o seu consolidaçãoalém da saúde mental. Mas alterações no sono, como alterações na duração e na qualidade, podem prejudicar o desempenho cognitivo em habilidades como função executiva, fluência verbal, memóriabem como ingressar no declínio cognitivo.
Colocar desempenho cognitivosão compreendidos diferentes domínios ou habilidades cognitivas, como memória, linguagem, atenção, concentração, etc. Essas habilidades funcionam de forma hierárquica e mutuamente dependente. Nessa lógica, o desempenho cognitivo permite ao indivíduo gerenciar suas experiências, adaptar-se ao ambiente e resolver problemas mediante as diferentes demandas do cotidiano.
Sono e envelhecimento
Com o aumento da expectativa de vida, o envelhecimento tornou-se um tema central na vida cotidiana em todo o mundo. Como resultado, as preocupações em torno das doenças neurodegenerativas são cada vez mais frequentes nos debates de saúde pública e na população em geral. Isso porque essas doenças estão relacionadas ao aumento da incapacidade e da dependência, além da mortalidade.
Com um acelerado processo de envelhecimento populacional, em 2017 o Brasil teve 30,2 milhões de idosos com 60 anos ou mais. Em 2022 esse número saltou para 32,1 milhõesequivalente a 15,6% de sua população total. Assim, o envelhecimento populacional é uma preocupação constante, especialmente porque está relacionado com o aumento das doenças crónicas em geral, com destaque para o declínio cognitivo, a demência e a incapacidade física.
Nesse contexto, destacam-se estudos que se interessam por fatores associados e potencialmente modificáveis como fatores socioeconômicos, comportamentais e de saúde. Entre esses fatores está o sono, que tem sido associado ao desempenho cognitivo.
Tanto o sono quanto o desempenho cognitivo podem sofrer prejuízos com o processo de envelhecimento, caracterizado pela diminuição duração e eficiência do sonobem como a diminuição do desempenho cognitivo que faz parte do envelhecimento normal. Nesse sentido, questiona-se se os possíveis efeitos nocivos do sono no desempenho cognitivo podem variar entre adultos e idosos.
Nosso estudo
O objetivo de nossa pesquisa teve como objetivo investigar a associação isolada e combinada entre distúrbios do sono (duração do sono, sintomas de insônia nas últimas 30 noites e cansaço diurno) e desempenho cognitivo de adultos e idosos em testes cognitivos.
Para isso, foi realizada uma análise transversal dos dados da visita 2 (2012–2014) do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), isso significa que os dados incluídos foram avaliados naquele momento único e específico.
ELSA-Brasil é uma coorte de servidores públicos ativos e aposentados de seis capitais brasileiras: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Vitória, que contava, no início do estudo, em 2008, com 15.105 participantes voluntários.
Foram incluídos 7.248 participantes, entre 55 e 79 anos, com idade média de 62,7 anos, sendo 55,2% mulheres. Foram observadas associações em forma de U invertido entre a duração do sono e o desempenho em todas as habilidades cognitivas, ou seja, durações menores ou maiores que sete horas estão associadas a pior desempenho, independentemente da idade.
Além disso, o relato de insônia foi associado a pior função executiva, sendo a força das associações maior para indivíduos com insônia em dois ou mais momentos ou, principalmente, insônia combinada com sono curto. A insônia em dois ou mais momentos também tem sido associada à diminuição da memória e da cognição global.
Estes resultados – que sugerem que durações de sono superiores ou inferiores a cerca de sete horas foram prejudiciais para todas as funções cognitivas investigadas – foram semelhantes tanto para adultos de meia-idade como para adultos mais velhos, embora as pontuações dos resultados tenham sido mais baixas para adultos mais velhos em comparação com adultos mais velhos. para adultos. Além disso, a insônia pareceu afetar mais fortemente a função executiva, mas também prejudicou a memória e a cognição global.
Estudos como o nosso, que visam investigar fatores potencialmente modificáveis para o declínio cognitivo (como o sono), podem gerar evidências e contribuir para apoiar intervenções de saúde que visam retardar o início do declínio cognitivo e promover o envelhecimento saudável.
*Tamiris Rezende é doutora em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
**Este artigo foi publicado em A Conversa Brasil e reproduzido aqui sob licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.
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