Agência FAPESP – Pesquisa publicada na revista PLOS Doenças Tropicais Negligenciadas provou que El Niño está ligado a um aumento na infestação de mosquitos Aedes aegyptitransmissor de doenças como dengue, chikungunya e zika. Usando dados dos 645 municípios do Estado de São Paulo, de 2008 a 2018, cientistas mostraram que as taxas de incidência de larvas de mosquitos em recipientes descartados ao ar livre aumentam sob os efeitos do fenômeno climático, com temperaturas acima de 23,3°C e chuvas superior a 153 milímetros (mm).
Ao analisar as cidades, o estudo aponta que as áreas mais vulneráveis à proliferação de Aedes estão predominantemente nas regiões centro e norte do Estado, e que as disparidades sociais também contribuem para a infestação.
Considerado um dos fenômenos climáticos de maior impacto na Terra, o El Niño é caracterizado pelo aquecimento anormal da superfície do Oceano Pacífico devido à diminuição da intensidade dos ventos alísios. Como resultado, modifica os padrões de circulação atmosférica sobre o Pacífico, alterando a distribuição da umidade e das temperaturas em diversas áreas do globo. Estima-se que nas próximas décadas haverá um aumento na frequência e intensidade deste evento, reforçando a necessidade de ampliar a capacidade de rastreamento dos criadouros do mosquito para adoção de medidas de combate e controle.
“Não analisamos casos de dengue no período. Trabalhamos com taxas de infestação de larvas do mosquito, que por si só não são utilizadas para indicar casos. Porém, sabemos que se houver aumento da infestação vetorial, consequentemente teremos mais registros da doença, pois o vírus circula no Estado de São Paulo. Embora soubéssemos que as condições climáticas favorecem o aumento ou a diminuição do vetor, não houve análise do quanto o El Niño influencia isso”, afirma o estatístico Gerson Laurindo Barbosapesquisador do Instituto Pasteur (antiga Superintendência de Controle de Endemias, Sucen) e coautor do artigo.
Os resultados mostraram que, em anos de El Niño, o número de recipientes positivos para larvas nas áreas coletadas nos municípios paulistas aumenta em 1,30 unidade quando comparado a eventos climáticos neutros e fracos. Para a realização do estudo foram utilizados dados do levantamento de larvas do Aedes aegypti (chamado índice de Breteau), temperatura e precipitação, com ajustes para densidade populacional e desigualdades sociais.
Apesar de não terem trabalhado com dados nacionais, os pesquisadores acreditam que o resultado obtido para São Paulo poderia ser semelhante no resto do Brasil. “Em 2023-2024 houve a maior epidemia de dengue do Estado e do país como um todo, e foi um ano de El Niño. Infelizmente, a realidade tem mostrado que o fenômeno climático influencia muito nesses casos”, afirma o professor Francisco Chiaravalloti Netodo Laboratório de Análise Espacial em Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), outro autor do texto.
O professor recebeu apoio da FAPESP por meio do projeto “Usando sensoriamento remoto e inteligência artificial para prever áreas com alto risco de infestação por Aedes aegypti e arbovírus”, que também resultou em outra pesquisa em que foi desenvolvido um modelo computacional capaz de prever se uma área urbana apresenta alto risco para dengue a partir de fotos de fachadas de edifícios (leia mais em: agencia.fapesp.br/50830).
Epidemia
O Aedes aegypti É o mosquito que transmite as chamadas arboviroses e é vetor dos vírus causadores da dengue, chikungunya e zika. É uma espécie mais comum em áreas urbanas e põe seus ovos em águas estagnadas.
O Brasil vive neste ano a pior epidemia de dengue, com o maior número de casos da série histórica, iniciada em 1986. Em outubro, atingiu 6,54 milhões de casos prováveis, com 5.696 óbitos (além de outros 1.300 em investigação). de acordo com o Painel de Monitoramento de Arbovírus do Ministério da Saúde. O Estado de São Paulo registrou 32% do total do país, com 2,1 milhões de pacientes, e a capital paulista teve 635 mil infecções.
Paralelo a isso, o El Niño começou a afetar o Brasil em junho de 2023, sendo considerado um dos mais fortes dos últimos anos. Foi correlacionado, por exemplo, com chuvas acima da média na região Sul do país e nas regiões sul de Mato Grosso do Sul e São Paulo, em contraste com volumes abaixo da média em partes do Norte e Nordeste, e também ao aumento da temperatura em grande parte do país.
“Essa pesquisa, além de contribuir para o mapeamento de áreas vulneráveis, permite estratificar o risco ao longo do tempo. Ou seja, se houver previsão de El Niño – e for possível prevê-la –, ao combinar dados de áreas de risco, podemos otimizar e direcionar a vigilância, além de promover ações de controle no momento certo”, acrescenta o professor Chiaravalloti Neto.
O trabalho do grupo de cientistas começou em 2019 e enfrentou uma série de desafios metodológicos, incluindo a falta de informações sobre a infestação em todos os municípios paulistas.
“Muitos municípios não possuem informações e bases de dados. Fazer um experimento na academia e transformar o resultado em um artigo e, a partir daí, disponibilizá-lo aos gestores para uso como política pública é muito importante. Trabalho na Secretaria de Saúde da Prefeitura de Santa Bárbara d’Oeste como diretora de políticas públicas e esse tipo de contato com a academia ajuda a tentar reproduzir dentro do município algumas soluções que poderiam funcionar”, afirma o ecologista e geógrafo Thiago Salomão de Azevedooutro autor do artigo.
Barbosa destaca que, ao buscar novas ferramentas para trabalhar na identificação de áreas de maior risco de infestação do mosquito Aedes aegyptia academia auxilia gestores na definição de políticas públicas, priorizando com base científica as regiões mais afetadas. “Se você conseguir concentrar mais o seu trabalho, os recursos – humanos e financeiros – serão otimizados.”
O artigo Efeitos do El Niño-Oscilação Sul e das condições climáticas sazonais na infestação por Aedes aegypti no Estado de São Paulo (Brasil): Um estudo espaço-temporal bayesiano pode ser lido em: https://journals.plos.org/plosntds/article?id=10.1371/journal.pntd.0012397.
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