RIO DE JANEIRO* — Em episódio de compulsão alimentaros pacientes tendem a procurar opções ricas em açúcar e gordura, ultraprocessado e alimentos que não são saudáveis. O quadro psiquiátrico, identificado pela repetição do comportamento pelo menos uma vez por semana durante um período de três meses, deve ser um sinal de alerta para doenças crônicas que não são psiquiátricas, mas que afetam a saúde. Este é o caso diabetes e obesidadeque pode ser impulsionado pelo consumo excessivo desses alimentos, destacaram especialistas durante o Brain Congress 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, evento sobre neurociências que reuniu mais de 5 mil profissionais entre os dias 26 e 29 de junho na capital fluminense. Eles também pedem atenção diabulimiaum perigo especialmente para os adolescentes (leia mais abaixo).
Esse distúrbio é o mais comum entre os que afetam a alimentação, com prevalência de 2% a 4%, e traz impactos negativos aos pacientes não apenas por desencadear sofrimento, vergonha, ansiedade e isolamento, mas porque afeta a saúde como um todo. Isso porque o ato de ingerir grande quantidade de alimentos de forma rápida e em excesso pode ter ramificações futuros.
O quadro pode ser intermitente e o prazer de comer nem sempre está envolvido nos episódios. Tanto que é comum os pacientes misturarem alimentos doces e salgados, quentes e frios, algo que pode ser percebido no toque “A baleia“, um filme que aborda os conflitos, traumas e dores de Charlie, um professor com obesidade mórbida interpretado por Brendan Fraser, que ganhou o Oscar de Melhor Ator no ano passado por sua atuação impecável.
“É um ato de comer muito e mais rápido que o normal, sozinho e, no final, o paciente fica com nojo do que fez”, descreve Débora Kinoshita, psiquiatra do Ambulatório de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Compulsão alimentar e diabetes
A diabetes já é considerada uma pandemia e as projeções indicam que não se espera que a doença diminua nas próximas décadas. Somente em América Central e do Sulhá mais de 32 milhões de casos de diabetes e, em 2045, a perspectiva é de aumento de 40% no número de casos.
O Brasil, segundo estudos apresentados no congresso, ocupa o sexto lugar entre os países com mais pacientes diagnosticados com a doença e quase 70% deles não se mantêm dentro das metas estabelecidas para o tratamento, comportamento que pode levar à descompensação.
“O transtorno da compulsão alimentar periódica precede o diabetes em 90% dos pacientes que convivem com essas duas comorbidades, por isso todo paciente em tratamento para a doença deve ter seu peso e glicemia avaliados”, afirma o endocrinologista Marcelo Ronsoni, professor de Endocrinologia e Metabologia da Universidade Federal. Universidade de Santa Catarina (UFSC).
A relação com obesidade Também é observado na literatura científica e deveria estar no radar dos psiquiatras. “As estimativas mostram que entre 15% e 45% das pessoas com transtorno da compulsão alimentar periódica convivem com a obesidade. Há pesquisas que funcionam com até 50% dos casos”, afirma Erika Paniago Guedes, médica especialista em endocrinologia e metabolismo e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Rio Verde (UniRV), em Goiás.
Diabulimia: um risco para adolescentes
Em pessoas que vivem com diabetes tipo 1, doença autoimune que faz com que o pâncreas não produza o hormônio responsável pelo controle da glicose no organismo — a insulina —, os médicos devem redobrar a atenção, principalmente com adolescentes e jovens que demonstram insatisfação com a imagem e com o próprio corpo. Isso ocorre porque eles podem manifestar o diabulimiaum transtorno alimentar em que os pacientes diminuem o tratamento com insulina para conseguir perda de peso.
Sem a produção adequada de glicose, o corpo começará a usar gordura e músculos como fonte de energia. “O paciente perde muito peso, mas de forma pouco saudável. São pessoas que acabam se sentindo fracas, cansadas e tendo idas frequentes aos pronto-socorros dos hospitais”, explica Ronsoni.
Especialistas estão preocupados com a possibilidade de cetoacidose, quadro que pode evoluir para um estágio grave de desidratação, levando à perda de consciência e que pode até deixar o paciente em coma. Em casos mais críticos, Isso pode matar. Por isso, os especialistas defendem a combinação de experiências para oferecer o tratamento mais completo para quem sofre com esses problemas.
“O paciente é único. Então é preciso ficar atento aos pequenos detalhes, porque o paciente não vem em partes”, finaliza.
* A repórter viajou a convite do Congresso Cérebro 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções
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