É difícil imaginar a vida sem smartphones. Mas, embora estes dispositivos tenham se tornado quase uma extensão do corpo humano, seu uso excessivo vem afetando a saúde física das pessoas. As queixas de dores nos polegares ou punhos aumentaram nos últimos anos nos consultórios de ortopedia e, segundo especialistas, são causadas pelo uso excessivo e incorreto do celular.
Os smartphones estão tão incorporados ao nosso dia a dia que ultrapassam o número de habitantes: são 249 milhões de unidades em uso no Brasil, ou 1,2 por pessoa, segundo a 34ª edição da Pesquisa de Uso de TI, pesquisa anual realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para se ter uma ideia, o país tem 203 milhões de habitantes, segundo o Censo 2022, o mais recente realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A cena é típica: a pessoa segura o smartphone e usa um ou ambos os polegares para digitar, numa velocidade que não está preparada para acompanhar, e fazendo movimentos muito curtos de um lado para o outro. O resultado disso é uma dor inofensiva no início, mas que pode evoluir para sobrecarga muscular, tendinite e até rizartrose – um tipo de osteoartrite que afeta a articulação da base do polegar, podendo causar dor, desgaste, rigidez e limitações de movimento.
“O polegar não nasceu para fazer muitos movimentos por segundo. E os jovens fazem milhares de movimentos durante horas para digitar no celular usando os dois polegares. Quando usam o polegar é ainda pior, porque sobrecarregam uma das mãos”, alerta o cirurgião Antônio Carlos da Costa, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
A dor nos polegares e punhos ocorre justamente pelo uso incorreto do aparelho. Segundo especialistas ouvidos pela Agência Einstein, isso acontece tanto pela forma como você o segura quanto pela quantidade de horas digitando.
Outro fator que interfere é o tamanho dos smartphones – com o avanço tecnológico e conexões de internet de maior qualidade, as telas ficaram maiores. Isso pode até ser mais confortável para assistir vídeos, por exemplo, mas quando se trata do impacto nas mãos, o resultado é o oposto: o aparelho ficou maior, mais pesado e muito mais difícil de segurar com apenas uma mão.
“Quase ninguém digita com o dedo indicador ou com o aparelho apoiado sobre uma mesa. Notamos um aumento considerável nas queixas de dores nas mãos, mas com padrões diferentes, muitas vezes ligados à idade do paciente. Vemos picos na população mais jovem, que usa o aparelho o dia todo para jogos, entretenimento, troca de mensagens, mas também em adultos que dependem do aparelho para trabalhar, como vendedores, e na população mais velha, que aprendeu a usar o celular e entrou na onda das redes sociais”, observa o ortopedista e cirurgião de mão Henrique Bufáiçal, do Serviço de Ortopedia do Hospital Israelita Albert Einstein, em Goiânia. “Temos notado um aumento de casos de rizartose [causada pelo desgaste da articulação da mão] em populações cada vez mais jovens.”
A importância do dedão do pé
O polegar é o principal dedo das mãos – sem ele, esses membros perdem praticamente 50% de sua função. Dependendo da atividade laboral da pessoa, se ela perder o polegar, também perde 100% da função da mão. Foi graças aos polegares oponíveis, de fato, que o Homo sapiens, a espécie humana, evoluiu para ser capaz de realizar o movimento fino de pinça (em que o polegar toca os outros quatro dedos) e, assim, manusear diversas ferramentas com precisão.
O problema é que a articulação da base do dedão é mais instável em relação aos demais dedos da mão, e tem maior tendência a se desgastar e se desencaixar com mais facilidade. Justamente por isso, essa articulação não está preparada para realizar tantos movimentos curtos por segundo, como acontece na digitação rápida. “Se o paciente colocar muita carga nessa articulação, isso sobrecarrega a função e isso vai causar dor mais tarde. As pessoas conversam o dia todo usando o aplicativo de mensagens do celular e já existem estudos falando sobre “Whatsappite” [como uma tendinite causada pelo uso de WhatsApp]”, destaca o ortopedista.
Dois estudos recentes realizados na Arábia Saudita confirmaram cientificamente o que a prática clínica tem observado: em um deles, realizado com 3.057 pessoas entre 18 e 65 anos, 56,5% dos voluntários relataram dores no punho ou na mão devido ao uso excessivo de smartphones . Em outro estudo, realizado com 800 voluntários, 40% relataram dores no punho ou polegar devido ao uso diário prolongado dos aparelhos – mais de cinco horas por dia.
Em relação à ergonomia, a maioria dos entrevistados relatou segurar o celular com uma das mãos, para baixo e com os pulsos dobrados para baixo. “O fato é que os polegares não estavam preparados para absorver toda essa sobrecarga que a sociedade moderna está colocando sobre eles. Talvez daqui a milhares de anos nossas mãos passem por alguma evolução para se adaptarem a isso”, afirma o ortopedista Einstein.
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Segundo os especialistas entrevistados, os sinais de desgaste começam com um leve desconforto e, com o passar dos dias, cansaço nas mãos. Surge então uma dor no dedão do pé, que pode irradiar para o braço devido à sobrecarga no tendão e nos músculos. Também há casos de pessoas que sentem dormência ou queimação nos dedos.
E qual é a solução para o problema? “Sempre explicamos ao paciente que não há outra solução senão adaptar-se ao uso correto do celular para que a mão trabalhe em uma posição menos ruim”, aconselha Bufáiçal. Antônio Carlos da Costa vai além e recomenda voltar aos velhos tempos: usar o aparelho para ligar. “É muito mais agradável, muito mais íntimo”, diz ele.
Porém, como nem sempre isso é possível, o especialista recomenda reduzir o número de horas de uso do aparelho e, sempre que possível, enviar mensagens de voz ou utilizar o recurso de transcrição de áudio (fale e o próprio telefone digita a mensagem). “Só quando isso não for possível, use os dedos, variando entre os polegares e o uso do indicador. Mas a melhor posição, sem dúvida, é colocar o celular sobre uma mesa e usar o dedo indicador para digitar as palavras”, ensina Antônio.
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