Agência FAPESP – A obesidade promove uma inflamação crônica e de baixo grau que deixa o sistema imunológico em alerta constante, gerando uma sucessão de falsos alarmes para o sistema de defesa do organismo e, consequentemente, o envelhecimento precoce das células imunológicas. Esse fenômeno, chamado pelos cientistas de imunossenescência precoce, contribui para uma maior incidência de doenças infecciosas ou mesmo crônico-degenerativas, como diabetes, aterosclerose e outras condições cardiovasculares.
Além dos níveis constantes de inflamação, a obesidade também pode desencadear alterações metabólicas, especialmente aquelas associadas às moléculas de gordura (lipídios), outro mecanismo comprovadamente envolvido no desenvolvimento do diabetes tipo 2 e de outras doenças crônicas não transmissíveis.
Estudos realizados por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com apoio da FAPESPmostraram que um protocolo de treinamento físico de 16 semanas – combinando musculação e exercícios aeróbicos – foi capaz de reverter os dois problemas associados à obesidade.
“Além de reduzir a circunferência abdominal, aumentar a força e a massa magra, o protocolo de treinamento por si só, ou seja, sem controle alimentar ou dietas, atuou na reversão do processo de envelhecimento precoce das células imunológicas e alterações no metabolismo lipídico, servindo, portanto, como um não -tratamento farmacológico para dois fatores extremamente associados ao desenvolvimento de doenças crônicas. São resultados importantes que mostram, mais uma vez, o papel fundamental do músculo como órgão endócrino”, afirma. Claudia Cavagliericoordenador do Laboratório de Fisiologia do Exercício (Fisex) da Faculdade de Educação Física da Unicamp.
Conforme explica o pesquisador, a reversão só é possível porque o tecido muscular ativo libera substâncias, conhecidas como miocinas ou exercinas, que atuam em diferentes mecanismos em todo o organismo. “O músculo tem um importante papel endócrino. O treino combinado altera a composição corporal, gera perda de gordura visceral e ganho de massa magra, melhorando o metabolismo lipídico e a função mitocondrial [das organelas que produzem energia para as células]além de reduzir a inflamação e, consequentemente, promover melhorias nos marcadores de saúde”, comenta.
Nos casos de obesidade, as mitocôndrias não conseguem transformar a gordura em moléculas de energia (uma reação química conhecida como fosforilação). “Com o treinamento, as mitocôndrias começam a fosforilar a gordura. Então, o indivíduo acaba utilizando a gordura para gerar energia e isso melhora a condição metabólica lipídica do corpo como um todo e contribui para a perda de peso”, explica.
Nos estudos do grupo, os pesquisadores também avaliaram marcadores associados à imunossenescência e ao metabolismo lipídico na mesma coorte, composta por 167 indivíduos divididos em três grupos: obesos, obesos com diabetes tipo 2 e indivíduos saudáveis sem comorbidades. Os participantes do estudo tinham entre 40 e 60 anos.
Em trabalhos realizados durante o pós-doutorado de Diego Trevisan Brunellios pesquisadores verificaram, em células do sistema imunológico (linfócitos T), a expressão de marcadores de expressão gênica de inflamação que estão envolvidos no processo de envelhecimento precoce, bem como marcadores de envelhecimento celular.
Em outro estudo resultante do doutorado de Renata Garbellini Duft, sob supervisão de Julian Griffin, do Imperial College de Londres, no Reino Unido, foram utilizadas técnicas de lipidômica, que identificam e quantificam o conjunto de lipídios (moléculas de gordura) no sangue e em amostras de tecido adiposo de voluntários (lipidoma).
Vale ressaltar que os lipídios desempenham papéis vitais nas membranas celulares, atuando como reservas de energia, fornecendo suporte estrutural, como precursores hormonais, transportando vitaminas e possibilitando a sinalização celular. Porém, na obesidade, o metabolismo lipídico está desregulado, levando ao acúmulo de gordura corporal e à deposição anormal de lipídios no fígado.
“Quando medimos marcadores de expressão gênica relacionados à imunossenescência, descobrimos que, embora houvesse muita semelhança entre os índices apresentados por obesos e participantes obesos com diabetes, o resultado foi completamente diferente dos indivíduos magros e sem comorbidades. Essa semelhança entre obesos e diabéticos obesos provavelmente se deveu ao fato de todos os diabéticos estarem em tratamento medicamentoso”, explica Cavaglieri.
Os marcadores de imunossenescência, no entanto, retornaram parcialmente aos níveis ideais após 16 semanas de treinamento. Durante o período, os participantes realizaram três sessões semanais de treinamento com duração de uma hora, que envolveram meia hora de musculação e meia hora de corrida, caminhada ou ciclismo em bicicleta ergométrica.
A pesquisadora ressalta que a relação entre a obesidade e os dois fatores estudados forma um círculo vicioso. “Quanto mais obesidade, maior a liberação de gorduras no sangue, maior a inflamação e, consequentemente, maior o risco de desenvolver doenças crônicas não transmissíveis”, afirma a pesquisadora ao Agência FAPESP.
“Mas o exercício físico pode reverter essa situação. É um protocolo simples, testado em diversas populações e recomendado pelas principais sociedades médicas. Mostramos, porém, que, além dos ganhos estéticos, o treino reverte dois processos de grande relevância para a saúde e que estão relacionados à obesidade”, destaca.
O artigo Treinamento combinado de intensidade moderada induz alterações lipídicas em indivíduos com obesidade e diabetes tipo 2 pode ser lido em: https://academic.oup.com/jcem/article/109/9/2182/7629543.
O artigo O treinamento combinado melhora a expressão gênica relacionada à imunossenescência em indivíduos obesos e diabéticos tipo 2 pode ser lido em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02701367.2023.2299716.
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