Luciana Constantino | Agência FAPESP – Uma vacina brasileira contra o tipo de malária mais comum no país e em regiões das Américas está em fase de patente e o pedido de testes em humanos deve ser protocolado nas agências reguladoras até janeiro. O imunizante contra Plasmodium vivax passou pela fase pré-clínica para avaliação de qualidade, eficácia e segurança, com resultados promissores.
Atualmente não existe vacina contra a malária vivax, doença infecciosa causada pelo parasita do gênero Plasmodium e transmitida ao homem através da picada das fêmeas do mosquito Anopheles. Existem três espécies mais comuns do parasita no Brasil – vivax, falciparum e malariae. Só contra a segunda é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou, desde 2021, a vacinação em crianças em alguns países da África Subsaariana.
“Temos um produto inédito no mundo e inteiramente produzido no Brasil. Meu objetivo desde o início da pesquisa, há mais de dez anos, era conseguir uma vacina. Agora estamos na fase final de autorização de estudos clínicos”, afirma a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) Irene Soares, coordenadora do trabalho, ao lado do professor Ricardo Gazzinelli, diretor do Centro de Tecnologia Farmacêutica. Vacinas (CT-Vacinas) e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCT-Vacinas).
Irene recebe apoio da Fapesp por meio de Projeto Temático. O grupo também recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, INCT-Vacinas 465293/2014-0) para estudos iniciais de prova de conceito e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep, convênio 01.22.0046.00) para realizar o ensaio clínico de fase 1.
Chamada Vivaxin, a vacina passou por testes de boas práticas de laboratório (BPL) e de fabricação (BPF). Foi apresentado em setembro durante o 2º Congresso de Inovação e Sustentabilidade do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC) pela CT-Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), parceira da USP no desenvolvimento do produto.
“No Brasil, existe uma grande lacuna nas linhas de pesquisa de vacinas, que ficou evidente durante a pandemia da COVID-19. A pesquisa básica normalmente é realizada no meio acadêmico, o que envolve definição de antígeno, adjuvante e prova de conceito. A partir daí, artigos são publicados e estudos são interrompidos, não chegando à vacina. O objetivo dessa parceria é superar o ‘vale da morte’ e ter o produto final, para testes em humanos, em um processo inteiramente desenvolvido no país, fato raro na ciência brasileira na área de vacinas”, diz Soares à Agência Fapesp.
O pedido de patente foi feito no final de outubro por meio da Agência USP de Inovação e do Centro de Transferência Tecnológica e Inovação da UFMG. A patente protege o processo de produção e formulação final com adjuvante desenvolvida pela equipe CT-Vacinas. Os resultados dos últimos testes deverão ser publicados em breve em revista científica.
Além disso, os investigadores já tinham demonstrado, num artigo publicado em abril na “Vaccine”, que a vacina era capaz de induzir níveis elevados de anticorpos em ratos e coelhos, revelando-se segura e bem tolerada. A formulação apresentada combina numa única molécula três formas genéticas diferentes, as chamadas variantes alélicas, de uma proteína do Plasmodium vivax, a PvCSP (proteína circunsporozoíta), com o objetivo de aumentar a eficácia e proteger contra todas as variações.
Ao contrário do parasita falciparum (mais comum no continente africano), a proteína alvo do vivax possui três formas alélicas – VK210, VK247 e P. vivax-like. Tornou-se alvo por ser o componente mais abundante na superfície dos esporozoítos – forma alongada do parasita presente na glândula salivar do mosquito transmissor e que infecta o homem, contaminando o fígado. Possui uma área que se liga a receptores celulares e anticorpos.
No estudo com a nova formulação, os anticorpos produzidos pelos camundongos imunizados reconheceram as três variantes, conseguindo, em alguns casos, prevenir completamente a infecção (proteção estéril) e, em outros, retardar o aparecimento dos parasitas no sangue.
Nos últimos anos, os cientistas testaram alguns adjuvantes para reforçar a ação do imunizante. Um desses testes resultou em outro artigo, também publicado em abril, na revista Frontiers in Immunology, com apoio da Fapesp.
Panorama
Considerada endêmica na região amazônica e um problema de saúde pública mundial, a malária causa febre, calafrios, tremores, sudorese e dor de cabeça. Em casos graves, provoca convulsões, hemorragias e alteração da consciência. Normalmente, o paciente recebe tratamento ambulatorial, com comprimidos fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De janeiro a outubro deste ano, o Brasil registrou 117.946 casos da doença, sendo 80% deles (95.113) causados pelo Plasmodium vivax, segundo o Ministério da Saúde. Uma situação preocupante foi detectada entre os indígenas – foram cerca de 45,1 mil casos até setembro, um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2023.
No último Dia Mundial contra a Malária, comemorado em 25 de abril, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) pediu aos governos que intensificassem os esforços para combater a doença, que tem maior impacto sobre os povos indígenas, migrantes e populações em situação de vulnerabilidade.
No ano passado, os países das Américas notificaram cerca de 480.000 casos de malária. Embora o número venha diminuindo desde 2017 (quando foram 934 mil registros), alguns países ainda estão longe de atingir a meta de redução de 75% até 2025.
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