Cientista conta 200 milhões de anos de evolução humana a partir do corpo feminino – Jornal Estado de Minas

Cientista conta 200 milhões de anos de evolução humana a partir do corpo feminino – Jornal Estado de Minas



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No mundo dos mamíferos, ter ou não ter um filho sempre foi uma escolha. É comum um rato macho comer um filhote que não é dele. Portanto, se uma rata grávida for colocada numa gaiola com um rato macho que não é o pai, ela abortará, correndo o risco de ver a sua prole ser comida pelo seu companheiro.

Este aborto deliberado devido a fatores sociais é denominado “efeito Bruce”, reconhecido pela comunidade científica desde a década de 1950. Depois disso, os pesquisadores começaram a vê-lo entre roedores, cavalos, leões e até primatas.

Cat Bohannon, cientista com doutorado pela Universidade de Columbia, diz que o que é incomum é justamente o fato de as mulheres não possuírem mecanismos internos que apoiem sua decisão reprodutiva.

“Eva”, primeiro livro da autora e já best-seller, é resultado de uma compilação de estudos científicos que Bohannon acessou ao longo de sua busca por respostas para uma dúvida que surgiu no cinema.

Assistindo ao filme “Prometheus”, de Ridley Scott, a personagem Elizabeth Shaw precisou se livrar de uma lula alienígena que ocupava seu útero, mas as máquinas trouxeram uma mensagem de “erro”, pois não estavam preparadas para operar no corpo feminino.

A pesquisa abrange os últimos 200 milhões de anos para escrever uma nova história da evolução humana, desta vez, tendo as mulheres como protagonistas.

A pesquisa resgata os “Evas” que representam o último ancestral comum com quem compartilhamos uma determinada característica, entre camundongos, mamíferos placentários até o Homo erectus e o Homo sapiens.

Bohannon explica dados e conceitos complicados de forma didática, o que torna o tema compreensível para quem não conhece bem o assunto. Até as notas de rodapé são engraçadas.

No livro, entendemos que o útero não é uma questão apenas feminina, mas um ponto importante em torno do qual toda a sociedade se organiza. Não apenas para produzir filhos, mas para ajudar a compreender as diferenças entre o corpo da mulher e o do homem.

Por que as mulheres suam tanto durante a menopausa? Por que os homens ouvem menos à medida que envelhecem? Por que eles têm duas vezes mais chances de serem diagnosticados com depressão? Por que são mais propensos a sofrer de esquizofrenia?

A medicina moderna é toda baseada em estudos que utilizam o corpo masculino como norma. Exceto estudos específicos sobre útero, ovários ou mamas, as mulheres ficam de fora das pesquisas clínicas, porque o corpo do homem é considerado mais estável e menos sujeito a oscilações, além de não correr o risco de engravidar no meio do caminho.

Durante 30 anos, nos Estados Unidos, a FDA (agência que regula e fiscaliza alimentos e medicamentos nos EUA) obrigou as empresas farmacêuticas a incluir mulheres nos seus estudos, mas elas evitaram participar.

“Não é apenas uma questão clínica, mas também cultural. Mais do que serem chamados, eles precisam querer participar, precisam se sentir seguros e há muitos motivos para não se sentirem assim”, afirma o autor.

Como os medicamentos demoram muito para chegar ao mercado, o resultado é que os medicamentos disponíveis hoje só têm o corpo humano como referência.

Apesar da falta de pesquisas, há fortes evidências de que alguns analgésicos são menos eficazes no corpo feminino, o que também requer diferentes dosagens de anestésicos cirúrgicos ou medicamentos para tratar o Alzheimer.

Para o autor, grande parte da sobrevivência das espécies primitivas está ligada à ginecologia, que começou com um conjunto de ferramentas biológicas e evoluiu até o ponto em que as mulheres influenciaram o seu próprio mecanismo de reprodução.

Apesar disso, doenças específicas do sexo feminino, como a endometriose, recebem pouco investimento em pesquisas. “Evoluímos para doenças específicas do homem. Com todo o respeito pela causa, mas acho que já sabemos o suficiente sobre a disfunção erétil. Podemos olhar para outras questões”, diz ela.

Ao estudar o corpo feminino, podemos entender por que as mulheres vivem mais e quais as diferenças no processo de envelhecimento.

A menopausa, presente apenas nelas, seria uma forma de evitar acidentes genéticos por óvulos velhos. “Minha utopia para o futuro não inclui ter filhos aos 80 anos, mas entender o que é a menopausa nos ajudaria a enfrentar melhor os problemas decorrentes dessa transição, como a osteoporose ou a incidência de problemas cardíacos”, afirma Bohannon.

Bohannon considera que compreender o corpo das mulheres e permitir-lhes viver melhor não é uma questão de feminismo, mas sim uma condição fundamental para o nosso caminho evolutivo.

“Um homem não precisa se preocupar com a vida de uma mulher porque tem uma irmã ou agora tem uma filha, mas porque todos são gerados pelo corpo de uma mulher. É assim que funciona a biologia. , todos eles, meninos e meninas”, afirma o autor, que considera o machismo a maior ameaça a esse processo.

Durante dez anos, os números da mortalidade materna nos Estados Unidos têm aumentado, o que representa uma inversão da tendência dos últimos dois séculos. Os dados coincidem com o aumento da obesidade, que torna a gravidez mais arriscada. As regiões onde mais mães morrem são comunidades pobres nas regiões mais conservadoras do país, como Texas e Minnesota.

Nestes locais é comum ver campanhas antiaborto e políticas educacionais que pregam apenas a abstinência. A consequência é que as mulheres engravidam com mais frequência, têm mais DST e partos mais complicados.

Na Europa, o quadro não é tão assustador: as mortes continuam a cair, embora a um ritmo mais lento do que nos anos anteriores. Do ponto de vista científico, uma sociedade mais igualitária pode ser essencial até para a evolução da própria espécie.

VÉSPERA

– Preço R$ 119,90 (616 páginas); R$ 49,90 (e-book)

– De autoria de Cat Bohannon

– Editora Companhia das Letras

– Tradução Fernanda Abreu



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