Ricardo Muniz | Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um pão com farinha de casca de jabuticaba que pode se tornar uma alternativa para quem precisa controlar os níveis de açúcar no sangue (glicemia), como é o caso de pessoas com diabetes. Os resultados dos testes foram publicados na revista “Foods”.
Embora o pão seja um alimento muito consumido, sua composição rica em carboidratos gera picos glicêmicos acentuados, que podem ser indesejados. Nesse sentido, apontam os autores, as padarias têm buscado diversificar os produtos com formulações para agregar valor nutricional, além de investir em métodos de fermentação que favoreçam uma resposta glicêmica menos intensa.
Segundo dados da matéria, a adição de farinha de casca de jabuticaba gerou um aumento significativo de mais de 50% de fibra. Além disso, a capacidade antioxidante também aumentou de 1,35 a 3,53 vezes, dependendo do teor de farinha de jabuticaba adicionada à formulação. Houve aporte de nutrientes e, consequentemente, melhoria na composição nutricional do produto final.
Para avaliar o pico glicêmico, os autores realizaram um estudo cruzado em que os participantes comeram pão feito pelo método de fermentação natural longa (que por si só já gera um pico glicêmico menor) e, na semana seguinte, pão com inclusão de farinha de casca de fruta . O pico de glicemia do pão sem adição de farinha de jabuticaba foi observado 30 minutos após a ingestão e permaneceu elevado até 45 minutos, quando começou a cair. No caso do alimento contendo o ingrediente à base de jabuticaba, houve pico mais tardio (após 45 minutos) e menos proeminente, diminuindo suavemente ao longo de três horas.
Metabolismo
O aumento da glicemia ocorre ao consumir alimentos especialmente ricos em carboidratos, como o pão, por exemplo. O processo de digestão libera glicose, que sinaliza a necessidade de secretar insulina ao pâncreas – e isso atua para retornar os níveis de açúcar no sangue aos níveis anteriores. Falhas nesse processo levam a problemas de saúde, por isso é tão importante observar a magnitude dos aumentos nos níveis de glicose no sangue dependendo da dieta alimentar.
“Se tivermos aumentos menores de glicose e insulina após as refeições, teremos menos chances de desenvolver diabetes e síndrome metabólica. Além disso, naqueles que já apresentam alterações na glicemia, controlar os aumentos da glicose após as refeições pode reduzir o risco de doenças cardíacas. Por fim, podemos aumentar a vida útil das células produtoras de insulina”, destaca um dos autores do artigo, Bruno Geloneze, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e pesquisador principal do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades ( OCRC) – Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP (CEPID).
Segundo Cinthia Cazarin, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp e orientadora da tese que gerou a publicação, o maior desafio na produção de pães para os testes foi aliar o fator tecnológico à manutenção do valor nutricional e funcional do pão. pão. . “A farinha de casca de jabuticaba possui características sensoriais bastante singulares e sua inclusão teve que ser avaliada tanto em relação às características tecnológicas da panificação quanto em relação ao processamento e preservação dos compostos bioativos presentes”, afirma.
Essa preservação foi essencial porque as diferenças observadas na melhor curva glicêmica e na resposta à insulina estão associadas principalmente à quantidade de compostos fenólicos presentes na casca da fruta, como as antocianinas – responsáveis pela sua cor arroxeada –, o que não poderia ser “ perdido” durante o processamento. processo.
Outro ponto importante observado na pesquisa foi em relação à sensação de fome. Após uma hora, os relatos dos participantes ao consumirem o pão com farinha de jabuticaba foram de maior sensação de saciedade do que quando comeram o pão controle. Isso geralmente é observado, dizem os autores, quando o retorno da glicemia aos níveis basais é mais lento (gerado por alimentos com índice glicêmico mais baixo).
Entre os resultados, destaca-se também a capacidade antioxidante, que foi monitorada durante três horas após o consumo do alimento. Houve um aumento considerável e por um período mais longo na capacidade de neutralizar os radicais livres de oxigênio após a ingestão do pão com a farinha especial. “Essa melhora na capacidade antioxidante é importante porque os processos de doenças metabólicas, cardiovasculares e oncológicas, além do próprio envelhecimento, envolvem mecanismos de oxidação de proteínas em nosso organismo. A capacidade antioxidante de um alimento pode ser benéfica em todos esses mecanismos”, destaca Bruno.
Além disso, a vida útil do pão foi garantida por sete dias. Essa extensão do prazo de validade, afirmam os autores, indica que as bactérias presentes na farinha da casca da jabuticaba e os metabólitos formados durante o processo de fermentação podem atuar como conservantes naturais em produtos de longa fermentação – o que é um inibidor do crescimento de microrganismos. indesejado neste produto.
Jabuticaba
Nos últimos anos, muitos estudos têm focado na inclusão de ingredientes com alto valor biológico, principalmente subprodutos da agroindústria devido ao grande volume produzido, potencial nutracêutico e impacto ambiental associado ao descarte.
Nesse sentido, Mário Maróstica, professor da FEA-Unicamp e um dos autores do artigo apoiado pela FAPESP, desenvolve há anos trabalhos de caracterização de compostos bioativos em frutas nativas brasileiras.
O potencial do consumo de frutas roxas como a jabuticaba já apresentou alguns resultados promissores na prevenção ou retardo do aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis. “A casca da jabuticaba possui compostos fenólicos e fibras, que demonstraram efeitos no controle da glicemia e do colesterol em diversos estudos”, destaca o professor.
Em um desses estudos foi avaliada a eficiência do suco de jabuticaba na redução da resistência à insulina e no aumento da produção de um importante hormônio que regula a fome, a saciedade e o controle glicêmico, o GLP-1 (cuja ação é emulada por medicamentos como semaglutida e liraglutida).
Com o avanço de resultados promissores, as pesquisas do grupo que reúne departamentos das áreas de ciências médicas e engenharia de alimentos da Unicamp continuam investigando os bioativos da fruta e agora envolvem modelos animais para estudar sua relação com a depressão e a prevenção do câncer colorretal.
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