Calor fresco | VEJA

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Em muitos lugares do mundo, o cheiro desta estação não é o do panetone, do qual falei aqui recentemente, mas sim o do gengibre. Temperando bolos ou biscoitos em forma de gente, esta especiaria foi incorporada nas tradições natalícias europeias há cinco séculos. Antes disso, porém, ele já havia completado uma longa jornada.

Originário das florestas do Sudeste Asiático, o gengibre começou sua jornada como ingrediente medicinal e culinário há milhares de anos. Chineses e indianos já o utilizavam em infusões para tratar resfriados e em pratos picantes para estimular o paladar. Não demorou a atrair a atenção dos comerciantes árabes, que o levaram pelas rotas que ligavam o Oriente ao Mediterrâneo.

Os romanos começaram a utilizá-lo em vinhos e molhos e até em pães adoçados com mel — um vislumbre do que viria a ser o “pão de gengibre”. Mas, com a queda do império, o comércio com o Oriente diminuiu e o gengibre tornou-se uma raridade no continente.

A história mudou na Idade Média. Entre os séculos XI e XIII, os cruzados regressaram do Médio Oriente carregados não só de histórias, mas de novos sabores. Reintroduzido nesse período, o gengibre logo encontrou seu lugar à mesa. Terrestre, seu transporte era facilitado, utilizado para temperar o pão preparado nos mosteiros e oferecido nas festas religiosas. Na Alemanha nasceram os “Lebkuchen”, semelhantes ao pão de gengibre, e na Inglaterra surgiram os famosos “homens de gengibre”, num Natal do reinado de Isabel I. A história conta que o monarca, o último dos Tudors, encomendou pães de gengibre moldados em formato humano para homenagear convidados importantes.

Ainda pequeno, a iguaria se espalhou e, mais tarde, no século XIX, ganhou uma nova forma: no conto de fadas “João e Maria”, o pão de gengibre é o material da tentadora morada da bruxa. Por isso se tornou tradicional, também em formato de casa, principalmente na Alemanha pelos Irmãos Grimm, responsáveis ​​por eternizar essa história popular.

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Mas o gengibre não se limita de forma alguma aos sabores do norte da Europa. Gosto muito do toque picante que ele dá aos sucos – em países quentes como o nosso, como o Senegal, ele é muito usado e, no Caribe, virou protagonista da “cerveja de gengibre” (que nem sempre é alcoólica). . Nos Estados Unidos, também aparece em duas versões – no refrigerante chamado “ginger ale” ou no clássico coquetel “Moscow mule”. Curiosamente, se esfriar com o calor, também esquenta. Por exemplo, no “chai” indiano, em que se misturam chá preto, leite e outras especiarias.

Por onde passava adaptava-se aos gostos locais, mas sem perder esta dualidade característica. No Japão, introduzido lá pelos chineses, cumpre os dois papéis. No “gari”, conserva que acompanha o sushi, limpa o paladar entre um pedaço e outro; Já utilizado cru, acrescenta complexidade aos ensopados quentes.

Num país que acolhe tantas tradições e culturas como o Brasil, podemos escolher qual forma adotar para esse tempero prodigioso – seja em biscoitos doces de Natal, como os que aquecem um dezembro europeu, ou em preparações capazes de refrescar um verão tropical. Uma torrada – ou um biscoito – ao gengibre



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