A denúncia sobre a possível prática de bullying e agressões físicas em uma escola particular de Belo Horizonte, que veio à tona na semana passada, alerta para um problema que é mais comum do que parece. A uma das vítimas foi recomendada uma cirurgia na região genital depois de, alegadamente, ter sido agredida rotineiramente com pontapés e joelhadas.
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Os prováveis episódios de violência contra alunos do 4º ano do ensino fundamental passaram a ser compartilhados em grupos de WhatsApp de pais e responsáveis. Relatos são de que os ataques foram realizados no intervalo das aulas da tarde. Os incidentes demoraram a ser relatados, pois as vítimas tinham medo de denunciar os ataques, mas ainda não há provas. Até que a mãe de um menino de 9 anos, que foi agredido, parece ter descoberto e feito boletim de ocorrência.
Mas até que ponto o que pode parecer uma piada ingênua ultrapassa a linha tênue do que é aceitável? A neuropedagoga, psicopedagoga, psicomotora e diretora do Grupo de Neuroeducação Rhema, Mara Duarte, explica que o bullying implica algum tipo de agressão, quando a criança ou adolescente é exposto de forma prejudicial no espectro emocional ou físico. Segundo a especialista, é diferente da brincadeira saudável, que sempre leva a algo construtivo, gera prazer, emoções e lembranças positivas, explica. “O bullying sempre leva a algo destrutivo, afeta as emoções, a identidade, a integridade, causa lembranças negativas”, diz Mara, que viveu situações como essa com a própria filha que, aos 8 anos, começou a ser vítima de bullying e, aos 14 anos, desenvolveu depressão decorrente do trauma. Hoje ela tem 18 anos.
Um ponto importante a considerar, explica Mara, é a vivência do próprio agressor. Muitas vezes, o bullying praticado é uma reação por ter sido vítima de violência, dentro ou fora de casa. “A criança que pratica bullying também pode ter sido vítima. Há até relatos dessas agressões vindos dos próprios pais. Então não se trata apenas de acusar. É preciso analisar essa realidade, entender de onde vem esse comportamento”, ela explica. O que pode acontecer num contexto em que o agressor pensa que a prática é normal, justamente por ter sido criado num ambiente propenso à violência. “É normal que as pessoas pensem apenas na vítima, mas o agressor também pode ser vítima”.
O comportamento que leva ao bullying é chamado de disruptivo, diz Mara. “O bullying é um distúrbio comportamental. Os afetados podem desenvolver ansiedade, crises de identidade, processos depressivos, e isso pode até levar ao suicídio. É muito grave”, reforça.
Dependendo da situação de saúde mental que possa ocorrer, a indicação, explica a psicopedagoga, é procurar tratamento psicológico e psiquiátrico, tendo o apoio da família como pilar fundamental. “Acontece que a família, e a própria sociedade, não se importam com o que está acontecendo, mas não sabem o grau de exposição ao bullying. Hoje tudo é relativo, mas há muitas coisas que não podem ser relativizadas, como o respeito , o limite de outro A criança ou adolescente não vê esses limites, não sabe até onde pode ir e, por isso, ultrapassa esse limite”, afirma Mara.
No longo prazo, considerando as consequências na vida adulta, a vítima de bullying pode apresentar principalmente depressão, transtorno de personalidade borderline e transtorno de ansiedade generalizada, afirma o especialista. Voltando à raiz do problema, a escola desempenha um papel essencial na conscientização dos alunos sobre o assunto. “Precisamos conversar sobre o assunto, esclarecer o que é e o que não é bullying, acolher quem foi agredido, ligar para os pais assim que notar os primeiros sinais. riscos, até mudar de escola”, acrescenta Mara, lembrando que muitas escolas não estão preparadas para lidar com situações como essa.
Uma orientação é observar possíveis alterações no comportamento da criança e do adolescente, pois muitas vezes a vítima não consegue verbalizar o problema. “Isso vale para a família e para a escola. Falar e não achar que é ‘cool’”, reitera a psicopedagoga. Do ponto de vista da instituição de ensino, continua, é preciso estabelecer regras específicas caso isso aconteça, como corrigir o problema. “A perspectiva deve ser de reforço positivo, ensinando ao agressor o que está errado, e não apenas punição, ou expulsão, por exemplo. encaminhá-los para algum tipo de trabalho comunitário na escola, pedir que façam pesquisas ou criem um seminário sobre bullying”, sugere Mara.
Para uma faixa etária de 12 anos ou menos, como é o caso de Belo Horizonte, a abordagem, para Mara, é, independentemente de haver ou não registros claros sobre o ocorrido, ouvir todas as crianças envolvidas na situação. Leve a discussão para a sala de aula, mostre vídeos, relatos de pessoas abusadas. “É normal que, nesta idade, os agressores não saibam o que estão fazendo, o que é realmente o bullying. Podem achar que é uma brincadeira boba, de mau gosto, sem saber se vai expor ou não o outro”, disse. destaques.
Em um dos relatos sobre o ocorrido na capital, a mãe que denunciou as agressões afirma: “Esses meninos se reúnem e enfiam o dedo no ânus de outros meninos e os agridem com chutes e joelhadas nas partes íntimas”. A fala da mãe remete a um suposto ‘jogo’, popularmente conhecido como ‘Naruto jutsu’, em que as crianças aplicam um “dedo” nos colegas. Este ato, que envolve juntar os dedos indicadores para imitar uma ‘arma’, é uma prática comum no Japão, conhecida como kancho. E é até uma cena que aparece na série de anime e mangá Naruto.
Isso levanta ainda outra questão: o tipo de conteúdo que crianças e adolescentes estão consumindo e como influenciam atitudes inadequadas. Redes sociais, vídeos, filmes, desenhos animados, programas de televisão, entre outros – não existem filtros. “Isso tudo influencia. As crianças são expostas às redes sociais cada vez mais jovens e sem controle. Os pais trabalham fora de casa ou, em casa, colocam os filhos na frente do celular, sem regras, sem limite de tempo, e vão fazer suas próprias coisas. As crianças estão sendo educadas por diferentes culturas, diferentes tipos de pessoas, muitas que não têm os mesmos valores de sua família. Já existem estudos que mostram que a exposição excessiva a esses conteúdos altera as funções executivas. no cérebro da criança, no sono, na alimentação, no aprendizado. A internet é terra de ninguém”, alerta Mara.
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