A dificuldade de se desconectar das telas é um fenômeno mundial. Em 2024, o termo brain rot, que significa ‘podridão cerebral’, foi escolhido como a palavra do ano pela Universidade de Oxford, após uma votação pública que reuniu mais de 37 mil participantes. A expressão descreve um processo de esgotamento mental que ocorre com a exposição contínua a conteúdos rápidos e superficiais, como vídeos curtos no TikTok ou Instagram.
Os efeitos da podridão cerebral costumam ser sutis no início. No entanto, se não forem tratados, podem afetar significativamente o sistema cognitivo de um indivíduo. Os principais sintomas incluem dificuldade de concentração, cansaço mental constante e desinteresse por atividades que exigem mais tempo e dedicação mental.
“Se essa sobrecarga não for tratada, pode gerar problemas como ansiedade, depressão, baixa autoestima, isolamento social, perda de prazer em atividades que antes eram prazerosas e até dificuldades para tomar decisões simples no dia a dia”, alerta Sávio Teixeira, psiquiatra do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás e vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares.
O psiquiatra acrescenta que a dificuldade de se desconectar ocorre quando o cérebro se acostuma a processar informações sem profundidade. Segundo ele, isso pode prejudicar a atenção e a capacidade de realizar tarefas que exigem mais tempo e reflexão. “Com o passar dos meses, o cérebro perde a capacidade de focar em atividades que exigem maior concentração e análise. Por isso, é importante que as pessoas aproveitem esse início de ano para refletir sobre os impactos do tempo de tela na saúde mental”, explica.
Conteúdo digital pode causar dependência
A psicóloga Rafaela Reginato, do Hospital da Universidade Federal da Grande Dourados, compara o consumo excessivo de conteúdo digital ao vício. “Assim como outros vícios, o uso constante de conteúdos digitais cria uma sensação de prazer imediato, mas temporário, fazendo com que a pessoa busque cada vez mais esses estímulos rápidos”, afirma.
Para evitar os efeitos da podridão cerebral, a psicóloga recomenda estratégias como estabelecer limites no uso de telas, buscar atividades que desafiem o cérebro, como leitura e esportes, e praticar mais interações sociais presenciais. “Também é importante reservar momentos de introspecção e autoconhecimento, evitando usar as redes como fuga emocional”, sugere.
Crianças e adolescentes mais expostos
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 revelou que 93% da população brasileira de 9 a 17 anos usa internet, sendo que 83% acessam plataformas como WhatsApp, Instagram, TikTok e YouTube. O estudo, realizado por Cetic.brtambém mostrou que 98% dos jovens acessam a rede via smartphone, refletindo a predominância do uso de dispositivos móveis. O consumo constante de conteúdos digitais tem suscitado preocupações sobre o impacto no desenvolvimento cognitivo dos jovens.
A neuropediatra Madicilina Teixeira, do Hospital Bettina Ferro de Souza, integrante do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Pará, destaca que a exposição prolongada a conteúdos rápidos e superficiais pode afetar a capacidade do cérebro de realizar análises aprofundadas. “As crianças e os adolescentes estão cada vez mais habituados a processar informações de forma rápida, mas sem reflexão crítica, o que pode comprometer o seu desenvolvimento cognitivo a longo prazo”, detalha Madicilina. Ela destaca que “o impacto é ainda mais grave nas crianças pequenas, cujos cérebros estão em fase formativa”, acrescenta.
A preocupação com o uso da tecnologia nas escolas tem gerado debates em todo o país. No mês passado, o Senado aprovou o Projeto de Lei que proíbe o uso de celular por alunos da educação infantil, ensino fundamental e médio. As exceções incluem o uso para fins de ensino, sob a supervisão de professores e para alunos que necessitam de recursos de acessibilidade. A proposta, já aprovada pela Câmara dos Deputados, aguarda aprovação presidencial para virar lei e entrar em vigor.
Para a neuropediatra, a medida é necessária para proteger o desenvolvimento infantil e adolescente no Brasil. “Restringir o uso indiscriminado do celular nas escolas permitirá que os alunos recuperem a capacidade de concentração e reflexão durante as aulas, representando um ganho que os acompanhará para o resto da vida”, garante o profissional.
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