A medicina, como ciência e prática social voltada para saúde e bem-estar da populaçãoestá ancorada em evidências científicas e na aplicação criteriosa de tratamentos com eficácia comprovada. Esta lógica, fundamental para a utilização racional dos recursos e a otimização dos resultados em saúde, tem sido desafiada por uma crescente mercantilização da prática médicaem que os interesses comerciais se sobrepõem às necessidades reais dos pacientes.
Esta subversão da ordem sanitária manifesta-se na criação de tratamentos e produtos destinados ao consumo, independentemente da sua real necessidade ou eficácia. A proliferação de ofertas, muitas vezes impulsionada por campanhas massivas nas redes sociais, gera confusão entre a necessidade genuína de cuidado e o mero desejo de consumir, induzido por estratégias de marketing.
Um exemplo desta distorção é a proliferação indiscriminada de clínicas e tratamentos de soroterapia no Brasil, com promessas de “melhorar a imunidade”, “reduzir a fadiga” e outros benefícios. O falta de base científica para tais práticas, no entanto, levanta sérias preocupações relativamente à sua eficácia e segurança.
Este caso ilustra como a lógica do marketing pode se infiltrar na prática médica, explorando a vulnerabilidade das pessoas e colocando em risco a saúde da população.
É importante reafirmar o conceito de valor em saúde, que vai além da simples redução de custos. Valor implica alcançar os melhores resultados possíveis para a saúde da população, proporcionando uma experiência de cuidado positiva e utilizando os recursos de forma eficiente e responsável. A definição de valor é complexa e multifacetada, mas o objetivo final é claro: alcançar a melhor saúde possível para a população, com a melhor experiência de cuidados e a utilização mais adequada dos recursos.
Neste contexto, a sensibilização do público é essencial. É necessário promover o pensamento crítico e a busca por informações confiáveis, estimulando o questionamento e a análise criteriosa das promessas dos tratamentos e produtos.
As entidades reguladoras, as associações profissionais e as sociedades científicas também desempenham um papel essencial na regulação do mercado da saúde e na combate à propaganda enganosaprevenir a exploração da vulnerabilidade das pessoas e garantir a primazia da ética e da ciência na prática médica.
A subversão da lógica científica pela lógica mercadológica representa um desafio para a saúde pública e para o próprio conceito de medicina. É imperativo que a sociedade, os profissionais e as instituições de saúde se mobilizem para inverter esta tendência e garantir que a procura do lucro não se sobrepõe ao bem-estar e à saúde da população.
A medicina deve permanecer firme no seu compromisso com a ciência e o bem-estar da população, resistindo à pressão do mercado e promovendo uma prática médica ética, responsável e baseada em evidências. A saúde é um direito fundamental, não uma mercadoria a ser explorada.
* Paulo Miranda é presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
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