Um dos principais parâmetros para determinar os níveis de magreza ou obesidade não nasceu no consultório médico. Surgiu de uma mente apaixonada por uma equação capaz de classificar o que seria um corpo humano “normal”, a do estatístico belga Adolphe Quételet (1796-1874). O matemático forjou há 192 anos a fórmula que, ao dividir peso pela altura ao quadrado, ganharia o nome de índice de massa corporal na década de 1970 e tornaria a sigla IMC conhecida internacionalmente —ferramenta que, ainda hoje, orienta profissionais de saúde para detectar se alguém está abaixo do peso ou acima do peso e os impactos disso no bem-estar físico. Porém, e o processo ainda não começou, o cálculo reconhecido está perdendo protagonismo na medicina. Porque existe uma outra equação mais precisa em apontar os limites e os danos dos quilos extras, principalmente ao coração. Este é o índice de redondeza corporal (BRI), criado em 2013, mas agora validado por um novo e robusto estudo. Inclui o denominador mais perigoso para o sistema cardiovascular: a gordura acumulada na região abdominal.
O BRI tem o diferencial de utilizar a medida da cintura em um cálculo complexo que acaba refletindo melhor a proporção de gordura no corpo e entre órgãos em comparação ao antigo IMC. Esses dados são extremamente relevantes para mapear doenças ligadas à obesidade, desde a resistência à insulina — fenômeno que abre caminho para o diabetes — até a predisposição a ataques cardíacos e derrames. Mas faltava uma prova de conceito em larga escala de que o novo índice seria mais assertivo. Acabou de surgir uma pesquisa da Universidade de Nanjing, na China. Os cientistas acompanharam quase 10 mil pessoas com 45 anos ou mais que passaram por avaliações entre 2011 e 2016 e foram divididas em grupos de acordo com as medições do período. Números mais elevados no BRI significam um risco até 163% maior de complicações, conclusão feita após análise de eventos cardiovasculares e mortes de 2017 a 2020. “Tudo isso pode ser explicado pela correlação entre obesidade e hipertensão, colesterol alto e tipo 2 diabetes, fatores de risco para doenças cardiovasculares”, disse o autor do estudo, Yun Qian. Jornal da Associação Americana do Coração.
Por mais que as descobertas sejam importantes e bem-vindas diante de um cenário de 20 milhões de mortes por ataques cardíacos e derrames todos os anos no planeta e da especulação de que os dias do IMC estão contados, o próprio Qian enfatiza que ainda serão necessários mais dados para apoiar a aplicação da ferramenta em ações preventivas. A cautela vai além entre os especialistas que acompanham o dia a dia dos pacientes, até porque o arsenal de balança, fita métrica e calculadora, embora simples, não faz parte da maioria das consultas médicas, principalmente na rede básica de saúde. “O IMC é um exame de triagem para identificar quem vai precisar de mais cuidados”, afirma o endocrinologista Bruno Geloneze, da Unicamp. O índice de redondeza corporal seria, na perspectiva do professor, um método que complementaria a avaliação, levando em consideração a distribuição da gordura e suas repercussões na saúde.
E é para tornar mais completa a análise dos pacientes que as entidades médicas passaram a defender uma abordagem que vai além do IMC, principalmente quando se trata de pacientes de maior risco. E, embora a nova conta que envolve a raiz quadrada e outros elementos complicados possa ajudar neste escrutínio, a simplicidade é também uma componente crítica no combate à dupla pandemia da obesidade e das doenças cardiovasculares. Ou seja, é preciso aprimorar estratégias ainda mais básicas, muito além dos números, para que a população se conscientize e se cuide. “No Brasil ainda temos um controle ruim do diabetes, do colesterol, da hipertensão… Só conseguimos reduzir o número de fumantes”, afirma Weimar Kunz, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Enquanto o BRI e o IMC coexistem, agregando informações sobre o peso e a condição do cidadão, a matemática da saúde nos lembra que apenas uma soma de fatores resolverá alguns dos problemas que mais perturbam a humanidade.
Publicado em VEJA em 1º de novembro de 2024, edição nº 2.917
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