A doença que gera preocupação no Brasil e alerta para a Olimpíada de Paris – Jornal Estado de Minas

A doença que gera preocupação no Brasil e alerta para a Olimpíada de Paris – Jornal Estado de Minas


O aumento de casos de coqueluche na Europa no primeiro semestre deste ano provocou um alerta transcontinental.

De acordo com Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), apenas nos primeiros três meses deste ano, foram registados na União Europeia mais de 32 mil casos da doençaem comparação com pouco mais de 25 mil registros no ano passado.

Na semana passada, a agência de saúde francesa Santé Publique divulgou um relatório afirmando que os indicadores de vigilância confirmam “uma situação epidémica estabelecida no território”.

A agência alerta que a magnitude do pico e a duração do ciclo epidémico não podem ser previstas e apela a “maior vigilância” durante os Jogos Olímpicos de Paris, que terão início em 26 de julho.

Em abril, a França registrou 1.400 casos da doença. Já em maio o número já havia mais que duplicado, para 3 mil, segundo comunicado do Instituto Pasteur.

Esse crescimento de casos na Europa, percebido desde o ano passado, sinaliza que “uma situação semelhante poderá ocorrer no Brasil dentro de pouco tempo”, segundo nota técnica emitida pelo Ministério da Saúde no início de junho.

Segundo o ministério, a queda na cobertura vacinal é citada como o principal motivo de alerta sobre a doença, cujo maior sintoma é a tosse aguda e persistente.

Isso já está sendo refletido diretamente nos cuidados médicos de rotina.

“Temos visto esse aumento de casos no nosso dia a dia”, diz Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, à BBC News Brasil.

Este ano, até 6 de junho, o Ministério da Saúde registrou 115 casos da doença, ante 217 no ano passado.

O infectologista explica, porém, que o diagnóstico da doença não é tão fácil de detectar, o que pode levar a um número real superior ao registrado.

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Só no estado de São Paulo, o mais populoso do país, foram registrados 139 casos da doença até 8 de junho, ante 16 casos em todo o ano passado, segundo a Secretaria de Saúde do Estado.

Isso representa um aumento de mais de 700%.

Essa discrepância entre os números nacionais e os paulistas pode estar relacionada às notificações de casos da doença.

“Os municípios realizam os registros, que são compilados pelos Estados, o que pode ocasionar atraso no envio e registro das informações em nível nacional”, disse o Ministério da Saúde, em nota.

Portanto, o número de notificações poderá aumentar significativamente nos próximos meses, quando novos dados forem computados no sistema nacional.

Os sintomas e estágios da tosse convulsa

A coqueluche é uma doença infecciosa aguda, causada por bactérias, que compromete principalmente o sistema respiratório.

Seu tratamento envolve antibióticos específicos, que devem ser prescritos por um profissional de saúde.

Segundo o Ministério da Saúde, os sintomas podem se manifestar em três níveis.

Na sua forma mais branda, a doença pode ser confundida com um resfriado, pois é caracterizada por mal-estar geral, coriza, tosse seca e febre baixa. Esses sintomas podem durar semanas e é nesse período que a transmissão é maior.

No período intermediário, os ataques de tosse aumentam. Por fim, a tosse é tão intensa que pode comprometer a respiração, além de provocar vômitos e cansaço extremo.

Geralmente, os sintomas da tosse convulsa duram entre seis a dez semanas e podem durar mais tempo.

Rosana Ritchmann afirma que, por se tratar de uma doença facilmente confundida com um resfriado e como seu diagnóstico depende de exame laboratorial, o tempo para procurar ajuda é fundamental.

“Normalmente, vírus como o da gripe duram de cinco a sete dias”, afirma o infectologista.

“Uma tosse seca que dura duas ou três semanas é um sinal de preocupação.”

Por não terem esquema vacinal completo, os bebês de até 6 meses são os mais suscetíveis às formas mais graves da doença, que incluem infecções de ouvido, pneumonia, parada respiratória, desidratação, convulsões, lesões cerebrais e até morte.

O tempo que os sintomas começam a aparecer a partir do momento da infecção é, em média, de 5 a 10 dias e pode variar de 4 a 21 dias.

A doença é altamente transmissível e ocorre através do contato com uma pessoa infectada através de gotículas provenientes da tosse, espirro e até mesmo da fala.

“O poder de transmissão da coqueluche é muito alto”, alerta Richtmann. A estimativa é que um paciente possa infectar de 12 a 17 pessoas.

O último ano em que ocorreu óbito registrado em decorrência da doença foi em 2020, com um registro.

Desde 1998, início da série histórica de registros da doença pelo Ministério da Saúde, 2014 foi o ano com maior número de casos: 8.614.

Tomaz Silva/Agência Brasil
A vacina é o principal meio de prevenção da coqueluche

Prevenção

A vacina é o principal meio de prevenção da coqueluche. A vacina está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para crianças de até 6 anos, gestantes e profissionais de saúde.

Trata-se do Pentavalente, que previne não só a coqueluche, mas também a difteria, o tétano, a hepatite B e a gripe B, e deve ser administrado aos 2, 4 e 15 meses e, novamente, aos 4 anos de idade.

Rosana Richtmann explica que, concluído o esquema vacinal, a imunização dura, em média, dez anos.

Por isso, é recomendado que adolescentes e adultos se vacinem a cada década, algo que não está previsto na rede pública.

O infectologista explica que quem já teve coqueluche pode voltar a ter, por isso é importante estar com a vacinação em dia. “Adultos também podem contrair a doença”, diz ela.

Embora, neste caso, os sintomas sejam, na maioria dos casos, mais leves.

As bactérias Bordetella coqueluche, que causa a tosse convulsa, foi descoberta em 1906 pelo imunologista belga Jules Bordet e pelo francês Octave Gengou. A descoberta rendeu a Bordet o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1919.

A vacina, porém, só foi desenvolvida em 1926 e é oferecida pelo SUS desde a criação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), em 1975.

A tosse convulsa, também chamada de coqueluche, já foi uma doença muito comum. Segundo o Ministério da Saúde, no início da década de 1980, eram notificados 40 mil casos por ano no Brasil.

A popularidade da doença e a facilidade com que ela se espalhou fizeram com que seu nome se tornasse uma expressão para se referir a uma nova moda, algo que pegou facilmente: a coqueluche do momento.

Desde então, o número de casos da doença vem caindo, com maior intensidade a partir de 1995.

Queda na cobertura vacinal

A imagem mostra dois pés de um bebê muito pequeno

Bebês de até 6 meses são mais suscetíveis aos casos mais graves de coqueluche

Dados do DataSUS consultados pela BBC News Brasil mostram que, nos últimos anos, houve queda na cobertura da vacina contra coqueluche em todo o país — assim como acontece com vacinas para outras doenças.

Em 2015, 96% do público-alvo já havia tomado a vacina, mas esse índice caiu, chegando a 77% em 2022, último ano de dados disponíveis no sistema.

Renato Kfouri, presidente do departamento de imunização da Sociedade Brasileira de Pediatria, explica que, no caso da coqueluche, a percepção de baixo risco é o pano de fundo para essa redução na cobertura.

“Quando você conviveu com essas doenças, você encontrou uma forma de se vacinar”, afirma.

“À medida que você não se sente mais ameaçado, torna-se um campo fértil para notícias falsaspara o movimento antivacina.”

Para Kfouri, é preciso melhorar o acesso e criar medidas de incentivo para que as pessoas levem os filhos ao posto de vacinação. “A lei permite que você tire um dia de folga do trabalho para doar sangue. Deveria haver algo semelhante para se vacinar.”

O médico afirma que a doença tem caráter cíclico, baseada na imunidade conferida por infecção natural, vacinas e variações da bactéria.

Aliás, uma nota do Instituto Pasteur aponta que a epidemiologia da tosse convulsa segue geralmente um padrão cíclico de três a cinco anos, com os últimos picos registados em 2012-2013 e 2017-2019.

No entanto, o instituto alerta: “O atual ressurgimento da coqueluche pode ser esperado, mas, por outro lado, é particularmente intenso”.

Diante do cenário, o Ministério da Saúde disse à BBC News Brasil, em nota, que “reforçou as recomendações para fortalecer as ações de vigilância epidemiológica da doença no Brasil”.

Entre as ações, a pasta inclui alertas aos profissionais de saúde da área assistencial, investigação de contatos de casos confirmados, oferta de tratamento, além de ampliar o uso da vacina para profissionais de saúde que atuam em ginecologia, obstetrícia, pediatria, além de de doulas e funcionárias de creches e creches com crianças de até quatro anos.



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