O excesso de gordura que não sai nem com dieta ou exercícios, às vezes dói e quase sempre é confundido com celulite. Trata-se do lipedema, depósito desproporcional de gordura nos braços e, principalmente, nas pernas, que há apenas dois anos foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença vascular. A caracterização recente tem incentivado os médicos da área a falar mais sobre o problema e a publicar artigos científicos que ajudarão a criar diretrizes de tratamento mais específicas.
Publicado na revista Pesquisa Linfática e Biologia, um desses trabalhos analisou mais de 700 artigos sobre lipedema e destacou as características da doença com evidências científicas convincentes, além de listar informações para as quais ainda não há comprovação. “Nosso objetivo é propor uma estrutura baseada na literatura atual e nas observações da prática clínica, para ser aplicada em futuras pesquisas sobre lipedema”, explicou a autora correspondente, a epidemiologista Monika Maya Wahi.
Segundo o artigo, há consenso entre os médicos de que a doença ocorre quase exclusivamente entre mulheres, é caracterizada pela distribuição desproporcional de tecido adiposo nos braços e pernas e é desencadeada ou agravada durante períodos de fluxo hormonal (puberdade, gravidez e perimenopausa). ). Além disso, a área afetada machuca facilmente, pode doer com ou sem pressão e responde de forma limitada à dieta e ao exercício. Camadas significativas de gordura podem se formar nos pulsos e tornozelos e, quando palpadas, podem ser sentidas alterações no tecido.
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Angiologista e cirurgiã vascular da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), Allana Tobita é especialista em lipedema e diz que, como o quadro só foi reconhecido como doença recentemente, os pacientes lutam há muito tempo para obter tratamento adequado diagnóstico e tratamento. A médica de 40 anos sofre com a doença desde os 13 anos, quando um forte desconforto na perna foi confundido com “dores de crescimento”. “O paciente sofre com muitos rótulos e paradigmas, é uma doença que afeta muito a autoestima”, relata.
Contudo, esta não é apenas uma questão estética. Esse, aliás, é um erro comum cometido por pacientes e até por médicos, diz Allana Tobita: buscar uma solução para o aparecimento do lipedema, antes de tratar a raiz desse problema crônico, caracterizado pela inflamação do metabolismo adiposo. “Não adianta começar pela parte estética, isso só vai causar frustração”, destaca o médico.
Embora não tenha cura, a doença vascular tem tratamento multidisciplinar, que ajuda a diminuir a dor e melhora a aparência. O lipedema é diagnosticado por um médico especialista, afirma a angiologista e cirurgiã vascular Carol Mardegan, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV). “O diagnóstico inclui avaliação detalhada dos sintomas e histórico familiar, além da observação da distribuição da gordura e dos sinais típicos do lipedema – por exemplo, gordura dolorida ao toque, presença de hematomas, textura da pele”, relata.
Exames
Segundo o médico, exames de imagem como ultrassonografia e ressonância magnética podem ajudar a diferenciar o lipedema de outras condições, mas nem sempre são necessários. “A consulta com um especialista em lipedema, como um cirurgião vascular, será crucial para um diagnóstico preciso e para discutir as opções de tratamento mais adequadas”. Embora apenas o médico possa determinar o manejo da doença, as opções terapêuticas são muitas e incluem dieta antiinflamatória, prática de exercícios físicos, drenagem linfática, uso de meias de compressão e, em alguns casos, medicamentos e suplementos.
Por enquanto, não há evidências científicas de que tratamentos com aparelhos, como laser e ultrassom, beneficiem os pacientes. Porém, a angiologista e cirurgiã vascular Allana Tobita ressalta que, na prática clínica, alguns equipamentos têm demonstrado bons resultados.
Entre eles, um ultrassom multifocado que será alvo de um estudo clínico conduzido pelo médico, com 150 pacientes divididos em dois grupos, para comparação. “Com o aparelho, as ondas eletromagnéticas entram no RNA mensageiro da célula, atingindo as camadas profundas”, explica. Outra opção não invasiva que, segundo o especialista, pode melhorar a inflamação é uma espécie de laser guiado por ultrassom, que derrete gordura. Nem essas ferramentas nem a cirurgia de lipoaspiração, recomendada para casos graves, porém, curam a doença. Sem mudanças permanentes no estilo de vida, o desconforto volta, observa o médico.
Allana Tobita destaca que é preciso ter cuidado com tratamentos ineficazes, como o uso de ozônio, que, para o lipedema, pode ser perigoso. No artigo publicado na revista Lymphatic Research and Biology, os autores também destacam outras estratégias não confirmadas. “Por exemplo, levantou-se a hipótese de que uma dieta cetogênica seria um tratamento potencial para o lipedema, mas os resultados dos ensaios clínicos não foram esclarecedores”.
Associação com varizes é comum
Pesquisas sobre lipedema descobriram que entre 40% e 50% das mulheres que sofrem da doença também apresentam varizes e vasinhos. Segundo Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, as duas condições têm muito em comum, além de sintomas semelhantes, como inchaço e sensação de peso nas pernas. “Essa relação cria um ciclo de agravamento da doença. Enquanto o acúmulo de gordura e a inflamação característicos do lipedema prejudicam a circulação e favorecem o surgimento de varizes, essa microcirculação prejudicada pelas varizes é uma das causas conhecidas da descompensação do lipedema”, explica. .
Segundo o especialista, os danos à microcirculação provocam hipóxia celular, quando as células não conseguem “respirar” adequadamente, e há extravasamento de líquidos e proteínas. Isso gera um processo inflamatório local, que pode levar ao crescimento desproporcional de tecido adiposo característico do lipedema. “Essa insuficiência venosa, assim como o lipedema grave, também favorece o surgimento do linfedema, quadro caracterizado pelo acúmulo de líquido linfático no tecido, que geralmente se traduz em inchaço assimétrico dos membros”, afirma Lamaita.
O médico esclarece que, quando há uma combinação de varizes e lipedema, geralmente as veias que não funcionam são tratadas primeiro, para controlar o processo inflamatório. “Tratar vasinhos e varizes é importante para melhorar a circulação e, consequentemente, o lipedema. Temos um arsenal enorme de procedimentos que serão escolhidos de acordo com cada caso”.
Há ocasiões, porém, em que é necessário tratar primeiro o lipedema: por exemplo, quando a inflamação da gordura é grave, impedindo o tratamento das varizes. O médico reforça a necessidade de consultar um cirurgião vascular para o protocolo adequado e individualizado.
Três perguntas para Carol Mardegan, cirurgiã vascular e membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV)
Por que se tem falado tanto sobre lipedema recentemente?
O lipedema tem recebido mais atenção recentemente por alguns motivos. A principal delas são os avanços no conhecimento e na pesquisa de alguns conceitos como inflamação crônica, estresse oxidativo e interesse pela saúde da mulher. Ao mesmo tempo, houve um aumento da conscientização sobre a doença, tanto entre os profissionais como entre a população em geral.
Existem evidências científicas sobre a aplicação de técnicas como laser, ultrassom e radiofrequência para lipedema? Quanto à cirurgia de lipoaspiração, quando é recomendada?
A evidência científica é limitada e ainda está em desenvolvimento. Alguns estudos mostram benefícios, mas a maioria é de pequena escala ou utiliza metodologias variadas. Portanto, mais estudos são necessários para validar todos esses métodos. A lipoaspiração para lipedema não deve ser de natureza estética. É indicado para pacientes com graus avançados da doença onde existem limitações significativas na mobilidade e na marcha. Como qualquer procedimento cirúrgico, a lipoaspiração provoca inflamação aguda, por isso é muito importante que o paciente se prepare para realizar este procedimento, mudando hábitos de vida e reduzindo a inflação crônica para obter resultados satisfatórios.
Quais são as principais consequências do lipedema não tratado?
Além da progressão da doença com aumento gradativo da gordura lipedêmica e piora dos sintomas, pode haver intensificação da dor e redução da mobilidade. Esses pacientes também podem apresentar aumento de ansiedade, depressão e baixa autoestima devido a alterações físicas e dores crônicas. E a evolução com linfedema, causando inchaço significativo e mais complicações nos membros inferiores.
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