Todos os anos, cerca de 7,7 milhões de mortes são atribuídas a Infecções bacterianas, dos quais 4,95 milhões estão associados a patógenos resistentes a medicamentos. Neste montante, 1,27 milhão de mortes são causadas diretamente por bactérias resistentes a antibióticos disponível. Esta estatística alarmante publicada na revista científica A Lanceta destaca um problema que afeta a saúde global de forma invisível: resistência antimicrobiana (BATER).
Em série de quatro artigos publicado na revista este ano, investigadores de múltiplas nacionalidades argumentam que o problema está relacionado com a elevada carga geral de infecções bacterianas e que a resistência antimicrobiana é um sintoma de desigualdades globais em saúde, situações que não podem ser resolvidas numa agenda focada em países de alta renda .
Entre os autores deste abrangente corpo de pesquisa está Ana Cristina Galesprofessor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), que faz uma análise global e também do cenário brasileiro sobre o tema.
“A resistência bacteriana é um problema global de saúde pública. No Brasil, estamos longe de ter um sistema de vigilância perfeito, mas evoluímos muito nos últimos anos”, afirma. Segundo Ana Cristina, atualmente é possível identificar os agentes patogénicos mais problemáticos e as áreas de atuação prioritárias em ambiente hospitalar, algo que não existia há dez ou 12 anos.
O problema afecta todas as idades e regiões, desde hospitais a áreas residenciais, e até animais e cadeias alimentares. Especialmente em zonas com recursos limitados, onde o acesso a antibióticos eficazes é restrito, a situação piora. As crianças, os idosos e as pessoas gravemente doentes são particularmente vulneráveis a infecções resistentes.
Nas crianças com menos de 5 anos de idade, foi observada uma queda dramática de 36% (9,9 milhões para 6,3 milhões) nas mortes entre 2000 e 2013 devido aos avanços nos sistemas de água e saneamento, vacinações e outras intervenções de saúde pública. No entanto, o progresso fica ameaçado quando antibióticos falham. Um terço das mortes de recém-nascidos são atribuíveis a infecções e muitas destas infecções já não respondem aos tratamentos disponíveis.
No outro extremo da vida, a resistência antimicrobiana complica o tratamento de doenças não transmissíveis, como a diabetes e o cancro. Por exemplo, mais de um quarto dos agentes patogénicos que causam infecções em pacientes com cancro do sangue são resistentes aos antimicrobianos utilizados para prevenir infecções. Essas infecções prolongam as internações hospitalares e aumentam os custos do tratamento.
Além disso, os documentos fornecem evidências importantes sobre intervenções e investimentos para informar a tomada de decisões para alcançar o acesso sustentável a antibióticos eficazes e acelerar o progresso no combate à resistência antimicrobiana, bem como propor metas globais alcançáveis para humanos e animais até 2030.
Um problema global e multissetorial
A resistência antimicrobiana também ameaça a segurança alimentar global, limitando a nossa capacidade de tratar animais doentes. O uso excessivo de antibióticos na agricultura e a liberação de antimicrobianos ativos no meio ambiente selecionam cepas bacterianas resistentes nesses locais, colocando em risco humanos e animais.
No Brasil, a resistência antimicrobiana está sendo combatida por meio do Plano de Ação Nacional para Prevenção e Controle da Resistência Antimicrobiana no Âmbito do One Health – PAN-BR, criado em 2018 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Atualmente, o programa está em sua fase segundo nívelque teve início em 2023 e deverá durar até 2027. O objetivo, segundo o ministério, é harmonizar as políticas públicas nacionais com as recomendações internacionais da Aliança Tripartite (OMS, FAO, OMSA), fortalecer as relações institucionais e manter o foco no Abordagem “Uma Só Saúde”.
Porém, na opinião do professor, o país precisa de um programa nacional dedicado ao combate à resistência antimicrobiana, semelhante aos programas nacionais de imunização e controlo da tuberculose.. “Isso garantiria um orçamento direcionado para financiar atividades essenciais de combate à resistência”, argumenta.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomenda que todos os países implementem sistemas de vigilância para monitorar o uso de antibióticos e a resistência antimicrobiana, além de avaliar as intervenções. No momento, 178 países desenvolveram planos de acção nacionais para resolver o problema, mas apenas 25% estão a implementar e a monitorizar eficazmente estes planos, com barreiras significativas enfrentadas pelos países de baixo e médio rendimento.
Há um impacto financeiro em não trabalhar para mitigar o problema. Estima-se que o tratamento de infecções bacterianas resistentes custa US$ 412 bilhões anualmente aos sistemas de saúde em todo o mundo, e as perdas de produtividade devido a esta questão poderão atingir 443 mil milhões de dólares por ano. Contudo, ações simples como a vacinação e o acesso ao saneamento básico poderiam prevenir aproximadamente 750.000 dessas mortes.
Novo relatório sobre o estado de desenvolvimento de agentes antibacterianos
Nesta sexta-feira, 14, o Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou seu último relatório sobre agentes antibacterianos em desenvolvimento clínico e pré-clínico em todo o mundo. Embora o número de agentes antibacterianos em desenvolvimento clínico – que abrange todas as fases do desenvolvimento de novos medicamentos – tenha aumentado de 80 em 2021 para 97 em 2023, ainda existe uma necessidade urgente de novos agentes inovadores para tratar infecções graves e substituir aqueles que são tornando-se ineficaz devido ao uso generalizado.
A resistência antimicrobiana (RAM) continua a crescer, impulsionada pelo uso inadequado de antimicrobianos e pela falta de acesso a medicamentos essenciais.
Higienização das mãos
Um dos principais pontos abordados por Ana Cristina é a importância de higienização das mãos. Ela enfatizou que esta é a medida mais eficaz no combate às infecções, pois evita a necessidade do uso de antibióticos para infecções bacterianas. É fundamental que tanto a população como os profissionais de saúde adotem a prática regular de lavar as mãos antes de comer, lavar adequadamente os alimentos e exigir que os profissionais de saúde façam o mesmo antes de qualquer contacto.
“Aos meus colegas médicos, recomendo a adesão às medidas de prevenção de infecções no ambiente hospitalar. À sociedade peço que se vacinem e lembrem aos profissionais de saúde que lavem as mãos antes de examiná-las. Aos nossos governos peço que garantam o saneamento básico e a água potável como direitos das pessoas”, afirma o infectologista.
Caminhos para o futuro
A luta contra a resistência antimicrobiana requer ações coordenadas e globais. Melhorar a vigilância, reduzir o uso inadequado de antibióticos, desenvolver novos medicamentos e promover práticas de prevenção são essenciais. “Para isso, as equipes de saúde humana, de saúde animal e de meio ambiente precisam trabalhar juntas”, argumenta o professor.
O primeiro de uma série de quatro artigos de A Lanceta sobre o acesso sustentável aos antibióticos destaca a necessidade urgente de dados robustos e acionáveis para impulsionar a mudança e informar intervenções eficazes. “No quarto artigo da série, propomos a medida 10-20-30, até 2030, reduzindo em 10% a mortalidade por infecções bacterianas resistentes, reduzindo em 20% o consumo de antimicrobianos em humanos e em 30% em animais ”, explica Ana Cristina.
A resistência antimicrobiana é um desafio que afecta todos os aspectos da saúde e do desenvolvimento globais. Reconhecer a gravidade do problema, especialmente em locais altamente vulneráveis como a África Subsariana, e agir colectivamente e com urgência é essencial para proteger a saúde pública.
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