Desde que os humanos começaram a explorar o que existe além da Terra, os astronautas têm enfrentado problemas de saúde devido às condições extremas que vivenciam nos voos espaciais, incluindo a ausência de gravidade. Cientistas do Instituto Buck de Pesquisa sobre o Envelhecimento, nos Estados Unidos, revelaram como essas circunstâncias afetam as células do sistema imunológico. A extensa pesquisa foi publicada na revista Nature Communications abordando os efeitos da microgravidade nas estruturas imunológicas.
“Demonstramos como a microgravidade simulada influencia as células imunológicas e como as mudanças de força afetam sua função no nível celular”, explicou, em nota, Daniel Winer, professor do instituto e um dos líderes da pesquisa.
Usando estruturas em microgravidade simulada e dados de voos espaciais, os pesquisadores analisaram como diferentes células do sistema imunológico no sangue reagem à gravidade reduzida. O ensaio incluiu linfócitos e monócitos, que são essenciais para a imunidade.
Os pesquisadores observaram os impactos da baixa gravidade no corpo humano durante viagens espaciais. Segundo o estudo, os astronautas enfrentam uma série de problemas imunológicos, como infecções e sensibilidade da pele, mesmo em voos curtos. Pesquisas anteriores identificaram que a função das células imunológicas é prejudicada pela microgravidade.
Semelhanças
Maria Helena Porter Fonseca, imunologista do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, destaca que o envelhecimento imunológico na Terra e as mudanças no sistema que ocorrem no espaço têm semelhanças.
“Ambos apresentam resposta imunológica mais fraca, dificultando o combate a doenças e infecções. As células de defesa do organismo, como as células T e NK, não funcionam tão bem em ambas as situações”, destaca o médico, explicando as funções do natural killer ( Células NK), da imunidade inata, e células T, da imunidade adquirida.
Explorando as mudanças causadas pela gravidade reduzida, a equipe examinou como 25 horas de microgravidade simulada afetam o sistema imunológico, usando amostras de 27 doadores humanos saudáveis com idades entre 20 e 46 anos. um dispositivo desenvolvido pela agência espacial norte-americana, NASA.
Ao avaliar as estruturas em condições controladas, os pesquisadores utilizaram um conjunto de técnicas, incluindo sequenciamento e microscopia de alta qualidade. Eles então validaram as descobertas comparando os dados com outros estudos semelhantes.
“Curiosamente, as mudanças nas forças mecânicas parecem orquestrar a função das células imunológicas”, diz Winer. Depois de analisar vários genes e vias bioquímicas afetadas pela microgravidade, a equipe analisou se era possível encontrar medicamentos ou suplementos específicos que protegessem as células do sistema imunológico.
Para essa busca foi utilizada a tecnologia de aprendizado de máquina desenvolvida por David Furman, professor do instituto e coautor do ensaio, que detecta mais de 2 milhões de interações entre genes, medicamentos e alimentos.
Alternativa
Os cientistas identificaram dezenas de compostos potenciais e escolheram um, o pigmento vegetal quercetina – encontrado principalmente em cebolas vermelhas, uvas, frutas vermelhas, maçãs e frutas cítricas. A quercetina acabou revertendo aproximadamente 70% das alterações causadas pela falta de gravidade e protegeu as células.
Para o imunologista Porter Fonseca, estudar o envelhecimento no espaço pode ajudar os idosos da Terra. “Isso permite que os cientistas vejam rapidamente como o sistema imunológico muda e como corrigi-lo. Isso pode levar a novos tratamentos e estratégias para manter forte o sistema imunológico dos idosos, ajudando-os a combater melhor as doenças”.
Maurício de Miranda Ventura, diretor do Serviço de Geriatria do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), em São Paulo, considera que são dois ambientes completamente diferentes, o que dificulta a comparação dos resultados de um local quando aplicados a outro. “Estudar as mudanças imunológicas que ocorrem com os astronautas em órbita nos ajudará a entender o que acontece à medida que uma pessoa envelhece em órbita. Não consigo ver a aplicabilidade clínica dessas descobertas agora.”
O médico afirma que o trabalho ajudará a definir caminhos para futuras pesquisas em mecanoimunologia e astroimunologia. “Isso oferece oportunidades para desenvolver contramedidas para manter a função celular normal no espaço”, diz ele.
Pedras galácticas
Pesquisadores de mais de 40 instituições em todos os continentes descobriram que os rins são significativamente afetados pelas missões espaciais, com a radiação galáctica causando danos permanentes que podem inviabilizar as missões a Marte. Publicado na Nature Communications, o estudo é a maior análise já feita sobre a saúde renal em voos fora da Terra, incluiu dados de astronautas comerciais e abordou os problemas de saúde causados pela prática desde a década de 1970.
Segundo o trabalho, a exposição à radiação espacial, como ventos solares e radiação, pode causar problemas de saúde, incluindo perda óssea e desenvolvimento de cálculos renais. O estudo mostra ainda que a microgravidade e os raios cósmicos podem remodelar os rins humanos e animais, afetando o equilíbrio de cálcio e sal, mesmo após curtos períodos no espaço. Além disso, a exposição simulada em missões a Marte resultou em danos renais permanentes em ratos.
Para os pesquisadores, os resultados são preocupantes para missões a Marte, já que danos renais podem comprometer a saúde dos astronautas durante viagens prolongadas. “Se não desenvolvermos novas formas de proteger os rins, eu diria que, embora um astronauta possa chegar a Marte, poderá necessitar de diálise no regresso”, disse Keith Siew, primeiro autor do estudo e investigador da University College London. No Reino Unido.
Siew acrescentou que os rins demoram a mostrar sinais de danos causados pela radiação. “Quando isto se tornar aparente, provavelmente será tarde demais para evitar o fracasso, o que seria catastrófico para as chances de sucesso da missão”, disse ela.
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