BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) – Pesquisadores brasileiros descobriram que mulheres com comprometimento cognitivo apresentam níveis mais baixos de carnitina no plasma sanguíneo do que os homens. A carnitina é uma molécula ligada ao nosso metabolismo de ácidos graxos e gorduras. Os especialistas acreditam que a descoberta poderá abrir novos caminhos na busca de alvos para terapias para doenças neurodegenerativas.
O estudo, financiado pelo Instituto Serrapilheira, envolveu uma coorte de 125 pacientes. Usando uma amostra de sangue dos voluntários, foram analisados os níveis plasmáticos de carnitina. Tratamentos matemáticos e análises estatísticas foram então realizados para identificar correlações confiáveis. Os resultados mostram que há uma redução significativa na concentração de carnitina no plasma das mulheres, mas não dos homens.
“Precisamos estudar melhor para poder detalhar os mecanismos. É possível que a carnitina seja uma molécula protetora, que acabe desregulada, diminuída”, diz Mychael Lourenço, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). As descobertas podem explicar por que as mulheres são mais suscetíveis a doenças como o Alzheimer.
Segundo o pesquisador, o estudo também abre caminhos para a busca de novos tratamentos. Seu grupo de pesquisa pretende dar novos passos e investigar o mecanismo metabólico em comum entre a molécula e o Alzheimer para que então seja possível desenvolver alternativas de ação dos medicamentos.
“Não se trata simplesmente de dar aos pacientes um suplemento de carnitina. Sabendo que está envolvido o aproveitamento da gordura pelo organismo, precisamos investigar quais alvos podem ser medicados”, afirma.
A pesquisa incluiu pacientes saudáveis ou com comprometimento cognitivo no Brasil e nos Estados Unidos. Teve a participação do Instituto D’Or e da Universidade da Califórnia e foi publicado na revista científica Molecular Psychiatry, do prestigiado grupo Nature. Para Ricardo Lima Filho, pesquisador da UFRJ e coautor do estudo, este também é um passo importante para encontrar novas alternativas diagnósticas e biomarcadores para a doença.
Usando medições de carnitina avaliadas no plasma, os pesquisadores conseguiram melhorar a precisão do diagnóstico dos pacientes. Na medicina clínica, identificar corretamente o Alzheimer é um grande desafio, pois muitas demências apresentam características muito semelhantes. Se os resultados da pesquisa forem confirmados em estudos com populações maiores, um simples exame de sangue poderá facilitar a tarefa.
O estudo, no entanto, tem limitações. A principal delas, destacada pelos próprios pesquisadores, é o tamanho da coorte. Com 125 participantes do Brasil e dos Estados Unidos, os resultados encontrados apresentam certa robustez, mas ainda precisam ser avaliados em grupos maiores e com maior representação genética.
O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, tem vivenciado um aumento no número de casos de Alzheimer e de doenças neurodegenerativas. Parte desse aumento pode ser atribuída ao envelhecimento da população, mas há grande contribuição do cenário socioeconômico desfavorável.
Um estudo recente mostrou que a desigualdade de renda afeta o desenvolvimento da doença de Alzheimer mais profundamente nos países latino-americanos, incluindo o Brasil, do que nos Estados Unidos. A pesquisa, que contou com mais de 2 mil participantes, revelou uma correlação entre a prevalência da doença e o índice de Gini, que mede as desigualdades.
“Sedentarismo, má alimentação, estresse e falta de sono. Tudo isso contribui para o risco de desenvolver a doença de Alzheimer”, afirma Lourenço. Esses são alguns dos fatores que podem estar associados a um contexto socioeconômico desfavorável.
No ano passado, uma grande pesquisa coordenada por um grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo revelou que mais da metade dos casos de demência no subcontinente poderiam ser prevenidos se os principais fatores de risco modificáveis da doença fossem controlados. No Brasil, esses fatores incluem falta de acesso à educação, perda auditiva e obesidade.
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