Em março de 2020, a atriz Fernanda Torres escreveu matéria para o jornal Folha de S.Paulo sobre a quarentena imposta por COVID-19em que criticou a gestão do então presidente Jair Bolsonaro.
Em 2025, após a vitória da atriz no Globo de Ouro, publicações com mais de 10 mil interações afirmam que a artista havia dito: “Maldito seja o povo e os cadáveres, se o vírus cumprir ‘sua missão’ de ‘abreviar’ o governo, está tudo bem.” Mas essa frase tem origem em um artigo de opinião publicado na época em um blog, que criticava o texto da atriz.
O conteúdo circula desde 2020, mas voltou a ser compartilhado após Torres ganhar o Globo de Ouro de “Melhor Atriz de Drama”, no dia 5 de janeiro, por sua atuação no filme “I’m Still Here”. Dirigido por Walter Salles, o filme conta a história de Eunice Paiva, que lida com o desaparecimento do marido, o deputado Rubens Paiva, após ser levado para interrogatório por agentes da ditadura militar brasileira na década de 1970.
Uma busca pelas palavras-chave “fernanda torres dane-se se a gente cadáver” na ferramenta Meta Content Library identificou que o conteúdo mais antigo publicado no Facebook a respeito da suposta fala da atriz data de 27 de março de 2020.
Nesta publicação é reproduzido trecho de um texto atribuído a “José Linhares Jr” que contém a frase supostamente dita pela atriz.
Uma busca por “José Linhares Jr” no Google levou ao site de um jornalista com o mesmo nome. Uma busca neste blog por “Fernanda Torres” levou a uma matéria de 27 de março de 2020 intitulada: “Atriz da Globo diz que ‘apoia’ o coronavírus em matéria”.
No texto, Linhares Jr reproduz na íntegra um artigo escrito por Fernanda Torres para o jornal Folha de S.Paulo no dia 22 de março daquele ano, intitulado “Ninguém sairá igual desta quarentena”. Antes de reproduzir a matéria na íntegra, porém, Linhares Junior opina sobre o texto da atriz, afirmando:
“Abaixo estão trechos do artigo maluco da atriz que, na minha opinião, é uma espécie de elogio ao vírus que aterroriza o povo. Maldito seja o povo e os cadáveres, se o vírus cumprir ‘sua missão’ de ‘abreviar’ o governo, está tudo bem.”
O artigo de Torres em questão não contém, em nenhum momento, a frase “malditos o povo e os cadáveres”, atribuída a ela nas publicações virais. Ao longo da peça, a atriz critica comportamentos potencialmente perigosos à saúde da população naquele momento, como os adotados pelo bispo Edir Macedo e pelo então presidente Jair Bolsonaro.
O termo “abreviar”, também utilizado em publicações virais, foi utilizado no seguinte trecho do artista:
“Espero que o centro emerja desta emergência. E que o coronavírus, tal como a Peste Negra na Europa do século XIV, encurte o obscurantismo medieval disfarçado de liberal em que nos encontramos.”
No dia 5 de abril de 2020, Torres escreveu um novo artigo para a Folha de S.Paulo, no qual comenta algumas das críticas feitas ao seu texto anterior:
“Na semana passada, somada à indigesta expectativa do que virá, tive a infelicidade de ver um artigo que escrevi aqui, neste espaço, virar alvo de redes insociáveis”, escreveu o artista.”Era um texto sobre o negro peste, que terminava falando das transformações ocorridas na Europa do século XIII, depois de passada a tragédia. Em nenhum momento tratei a calamidade como algo bem-vindo”.
Neste segundo artigo, Torres também comentou algumas publicações que circulavam na época, dizendo: “Os ‘posts falsos’ afirmavam que eu estava torcendo para que o vírus matasse muita gente”.
O conteúdo também foi verificado por Aos Fatos, Uol Confere, Reuters e Estadão Verifica.
Referências
Artigo publicado por José Linhares Junior
Matérias publicadas por Fernanda Torres na Folha de S.Paulo
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