Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e do Karolinska Institutet (KI), na Suécia, relataram pela primeira vez um novo mecanismo associado à atrofia muscular em pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) . Eles identificaram que alterações nos genes relacionados ao metabolismo do zinco fazem com que o metal se acumule no músculo esquelético, aumentando a expressão de proteínas de zinco ativadas que contribuem para a degradação dos tecidos.
Os resultados, publicados recentemente na revista científica Biologia e Medicina dos Radicais Livresabrir caminho para o desenvolvimento de novas terapias capazes de minimizar o problema que pode afetar até 70% de todas as pessoas internadas em UTI por mais de uma semana.
Nos últimos 65 anos, as taxas de sobrevivência na UTI melhoraram significativamente, graças aos avanços na tecnologia médica e à adoção de práticas baseadas em evidências. Esses tratamentos, no entanto, estão associados a complicações como a miopatia grave, caracterizada por atrofia muscular grave e perda de função dos músculos dos membros e do tronco (incluindo o diafragma, o principal músculo inspiratório). A condição, que afeta cerca de 30% dos pacientes que necessitam de ventilação mecânica por longos períodos, tem consequências negativas na qualidade de vida do paciente, aumenta os custos de saúde e aumenta a mortalidade causada por complicações secundárias, como a pneumonia.
“A miopatia grave é uma complicação comum nas UTIs modernas e isso se tornou aparente durante a recente pandemia de COVID-19, especialmente em pacientes idosos”, diz Lars Larsson, diretor do grupo de pesquisa em biologia muscular básica e clínica do KI. e orientador de estudos.
Em estudo anterior, o mesmo grupo de pesquisadores já havia observado que a perda de miosina – proteína essencial para o funcionamento muscular, que cai em pacientes imobilizados, fazendo com que o músculo perca massa, poder de contração e geração de força – era acompanhada de a ativação de um transportador de zinco chamado ZIP14 nos músculos das pernas.
Neste estudo, apoiado pela FAPESPos cientistas analisaram ainda como os níveis de zinco e a atividade das metaloproteinases (MMPs) – enzimas que podem estar diretamente envolvidas na degradação de proteínas contráteis, como a miosina – mudaram em pacientes de UTI. Eles também levaram em consideração como a idade pode afetar esses processos, já que pacientes idosos são mais suscetíveis à atrofia muscular.
Para isso, monitoraram sete pacientes em estado crítico submetidos à ventilação mecânica e realizaram biópsias musculares em momentos diferentes ao longo de 12 dias. Os resultados foram comparados a um modelo experimental que utilizou ratos expostos a condições semelhantes de UTI.
“Observamos um acúmulo anormal de zinco no tecido muscular tanto de pacientes quanto de animais submetidos a longo período de ventilação mecânica e imobilização, e esse aumento do metal gerou a ativação de determinadas MMPs”, explica. Fernando Ribeiropesquisador do ICB-USP e primeiro autor do trabalho.
“Dois deles, em particular, apresentaram atividade aumentada: MMP-8 e MMP-9. Embora o primeiro ainda não tenha função muscular descrita na literatura científica, já se sabia que o segundo contribuía para a degradação da miosina – porém, não no contexto da UTI, como demonstramos, mas no contexto da insuficiência cardíaca .”
“Isto é de especial interesse, uma vez que a perda preferencial de miosina é a marca registrada da miopatia em pacientes gravemente enfermos”, acrescenta Larsson. “Assim, os resultados deste estudo apontam para um novo mecanismo subjacente à miosina em pacientes de UTI com miopatia gravemente doente.”
Importância e aplicação futura
“É comum que pacientes com miopatia grave enfrentem complicações funcionais pós-hospitalização decorrentes de fraqueza muscular e falta de massa muscular, que comprometem as atividades diárias, como caminhar ou carregar sacolas de compras, necessitando de reabilitação física”, afirma. Ribeiro. “Entender os mecanismos por trás do problema é essencial para desenvolver tratamentos capazes não só de tirá-los da dependência das máquinas, mas também de garantir uma melhor recuperação.”
Segundo o pesquisador, o objetivo agora é realizar mais estudos utilizando ferramentas farmacológicas ou genéticas para buscar modular a expressão ou atividade desses marcadores moleculares específicos e, assim, atenuar ou até mesmo prevenir a degradação da miosina nos músculos esqueléticos.
O estudo também foi financiado pelo Conselho Sueco de Pesquisa Médica, pela Sociedade Europeia de Medicina Intensiva (ESICM), pelos Institutos Canadenses de Pesquisa em Saúde, KI, pelo Conselho Municipal de Estocolmo e pelo Instituto de Medicina Molecular Viron, localizado nos Estados Unidos. .
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