Álcool causa câncer? O novo alerta do ‘médico-chef…

Álcool causa câncer? O novo alerta do ‘médico-chef…



Como muitos brasileiros, passei o final de ano em uma praia, onde o espetáculo da natureza — dias claros, mar cintilante, pôr do sol quase sobrenatural — dividia espaço com a presença incessante de bebidas alcoólicas.

Duas cenas ficaram comigo. Primeiro, um grupo de mulheres na praia, cada uma consumindo diversos cervejas e caipirinhas. No final do dia eles se levantaram, vamosnão fazer copos e garrafas na areia e foi embora. Outra cena: na loja onde fui comprar pão, um homem jovem visivelmente intoxicado reclamou em voz alta do desaparecimento de um maço de cigarros isso estava bem na sua frente. Ele tropeçou, carregando ao lado de o filho pequeno, que parecia resignado. Se a imagem do álcool parece onipresente, talvez seja porque é.

Ingestão de bebidas alcoólicas no Brasil consumido R$ 18,8 bilhões em 2019, segundo Fiocruz. Esse valor, calculado com base em dados oficiais, inclui despesas no SUS e perdas de produtividade por mortes prematuras e afastamentos, mas desconsidera despesas privadas com saúde e suplementos estaduais e municipais, o que subestima o impacto total. Esses números destacam a relevância do novo declaração emitida pela Cirurgião Geral (uma espécie de médico-chefe) dos Estados Unidos, Vivek Murthy.

O documento que assinou destaca uma realidade muitas vezes ignorada: o consumo de álcool, mesmo em pequenas quantidades, pode aumentar significativamente o risco de Câncer. O seu objectivo é duplo: sensibilizar o público – uma vez que apenas 45% dos americanos reconhecem esta relação – e promover a implementação de rótulos de advertência específico em embalagem de bebidas alcoólicas (muito além do genérico e ineficaz “consumir com moderação”).

O aviso de Murthy atende eentidades como QUEM e países como Canadá, o que já incorporaram o consenso científico de que, devido ao impacto do álcool no câncer, não há um nível seguro para o consumo de bebidas alcoólicas.

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Em 2022, o Canadá revisou suas diretrizes, reduzindo a recomendação de consumo para no máximo duas doses por semana. Leeumais suave que vocêmas a dose é equivalente a aproximadamente uma lata de 350 ml de cerveja, 80 ml de vinho ou 30 ml de destilado.

Deixe-me ser claro: não se trata de alarmismo. O álcool (qualquer tipo de bebida alcoólico: incluindo cerveja, vinho, bebidas espirituosas) é o terceiro maior causa de câncer na população norte-americana, perdendo apenas para o tabaco e obesidade. Ele está associado a pelo menos sete tipos de câncer, incluindo boca, esôfago, fígado, mama e cólon. Não estamos falando de dados marginaismas sim um fator de risco central que pode ser modificado (as pessoas podem decidir sobre o seu consumomas não sobre sua genética); daí o pronunciamento do médico geral dos Estados Unidos.

Causa e efeito

CComo exatamente o álcool se torna cancerígeno? A resposta está em vários mecanismos. O álcool causa câncer principalmente por danificar o DNA. O acetaldeído, substância tóxica gerada quando o organismo processa o álcool, reage com o DNA, causando mutações e alterações que podem levar ao desenvolvimento de tumores, principalmente na boca, garganta e esôfago, onde a concentração de acetaldeído é maior.

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Além disso, o álcool estimula a produção de radicais livres, que causam stress oxidativo e dificultam a reparação do ADN, um mecanismo ligado a cancros como o cancro do fígado.

Outros fatores também contribuem. O consumo de álcool altera a microbiota intestinal, enfraquece a barreira intestinal e aumenta a inflamação no organismo, aumentando o risco de câncer colorretal. O álcool também reduz a absorção de folato, essencial para o DNA, mecanismo associado ao câncer de mama e outros tipos de câncer. Nas mulheres na pós-menopausa, aumenta os níveis de hormônios como estradiol e testosterona, aumentando ainda mais o risco de câncer de mama.

A ciência por trás desta relação não é nova, mas avançou rapidamente. Desde 1988, a Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC) classifica o álcool como um agente cancerígeno do grupo 1 (reservado às substâncias que têm maior impacto no cancro). Centenas de estudos e comentários estudos científicos sobre álcool e câncer foram publicados nos últimos anos.

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Por que muitos de nós não sabemos disso? Um fator é a pressão exercida pelo indústria de bebidas alcoólicas para minimizar esses dados.

Um relatório recente da Academia Nacional de Ciências EUA, que deverá influenciar ddiretrizes dA ietética no país reviveu a ideia ultrapassada de que o consumo moderado pode reduzir a mortalidade geral, embora reconheça um risco 10% maior de câncer de mama em mulheres. “Coincidentemente” este painel incluía pesquisadores (de Harvard) com histórico de financiamento pela indústria do álcoolque foram substituídos por outros dois cientistas com trabalhos semelhantes e também ligados à indústria.

Na Europa, o lobby do vinho diluiu propostas do Parlamento Europeu que incluíam políticas para reduzir o consumo de álcool como parte essencial da prevenção do cancro. Isso é um escândalo porque impede que o público tome medidas relativamente simples relacionadas com a sua própria saúde.

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A resistência à informação sobre os riscos do álcool vai além das instituições; está profundamente enraizado na cultura, alimentado por décadas de marketing agressivo que associa erroneamente o consumo de álcool com felicidade, diversão e alegria. Não é difícil imaginar a reação de alguns leitores ao se depararem com esta informação: “Ah, mas agora tudo causa câncer!”, “A vida já é curta, por que se preocupar?”, “Meus avós beberam a vida inteira e viveram até o 90 anos”, “Meu tio nunca bebeu e morreu de câncer aos 30 anos” “Um pouco de vinho faz bem ao coração” ou “A ciência continua a contradizer-se”. Essas frases revelam uma negação quase automática, moldada tanto pela desinformação quanto pelo desconforto no enfrentamento de hábitos que nos são familiares.

O objetivo aqui não é prescrever escolhas individuais, mas garantir o acesso a informações científicas confiáveis ​​e atualizadas, permitindo decisões informadas. Considere o seguinte: mais de 70 mil Novos casos de câncer de mama são diagnosticados anualmente no Brasil. Não seria É essencial que as mulheres saibam que reduzir ou eliminar o consumo de álcool pode reduzir significativamente o risco de desenvolver esta doença?

* Ilana Pinsky é psicóloga clínica, doutora pela Unifesp e autora do livro Saúde emocional: como não surtar em tempos instáveis (Contexto); Foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade de Columbia, nos EUA



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