A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) passou a recomendar a suplementação de vitamina D para todas as crianças e adolescentes até aos 18 anos. Orientações anteriores sugeriam esta suplementação apenas até um ano de idade. A nova orientação foi atualizada em documento publicado em novembro, após oito anos sem alterações, e visa prevenir a deficiência de substâncias nessa faixa etária, que pode levar a condições como raquitismo (ossos fracos e deformidades esqueléticas), infecções respiratórias e problemas de saúde óssea.
A decisão de atualizar as diretrizes brasileiras foi tomada após a Sociedade Americana de Endocrinologia publicar, em junho, uma revisão sistemática sobre o tema. Este estudo identificou 14 questões clinicamente relevantes relacionadas ao uso de vitamina D – entre elas, a suplementação nutricional para esse grupo pediátrico, especialmente aqueles sem condições adequadas exposição à luz solar e sem uma dieta abundante em alimentos ricos nesta vitamina.
“Crianças e adolescentes fazem cada vez menos atividades ao ar livre e estão cada vez menos expostos à luz solar. Eles ficam em shoppings, em casa jogando videogame. Portanto, provavelmente alguns deles estão carentes desse nutriente”, analisa o endocrinologista Crésio Alves, presidente do Departamento Científico de Endocrinologia da SBP e um dos autores do novo consenso.
Cerca de 90% da vitamina D é obtida por síntese cutânea após exposição solar; os outros 10% vêm de fontes alimentares. Mas, segundo a SBP, os ingredientes que mais fornecem esse nutriente não fazem parte da dieta habitual do brasileiro: são peixes de água fria, como atum, arenque e salmãobem como óleo de fígado de bacalhau e fígado bovino. “Existem até alguns alimentos enriquecidos com vitamina D, como leite e cereais, mas ainda são insuficientes para que as crianças atinjam os níveis necessários”, observa Alves.
No organismo, a principal função da vitamina D é regular os níveis de cálcio e fósforo no sangue, essenciais para o saúde óssea. Além disso, demonstrou outros efeitos relacionados com funções musculares e imunológico.
Não há consenso internacional sobre os níveis considerados deficientes — cada sociedade médica adota uma referência. A SBP considera “deficiência” a concentração inferior a 20 ng/mL e “deficiência grave” a concentração inferior a 12 ng/mL.
Na nova diretriz brasileira, a recomendação é a ingestão diária de 600 UI para crianças maiores de um ano e adolescentes. No caso de bebês que ainda não completaram o primeiro aniversário, a indicação é de 400 UI. Lembrando que toda suplementação deve ser feita sob acompanhamento médico.
Problema nacional
Embora o Brasil seja um país predominantemente ensolarado, com sol na maior parte do ano, a deficiência de vitamina D aqui é um problema. Um estudo brasileiro, realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), avaliou os resultados de quase 414 mil dosagens de vitamina D em crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, coletadas entre janeiro de 2014 e outubro de 2018. deficiência de vitaminas foi encontrado em 12,5% das amostras.
Os efeitos regionais e a sazonalidade foram bastante evidentes. O estudo aponta, por exemplo, que 36% das crianças que viviam na região Sul apresentavam deficiência dessa vitamina no inverno e 5% tinham a incapacidade grave. “É importante ressaltar que [nova] A recomendação é genérica e não foca aspectos específicos de cada região”, alerta Crésio Alves.
Justamente por questões sazonais, a diretriz da SBP não recomenda a dosagem de vitamina D para todas as pessoas. Isso porque há muitos fatores que influenciam: depende da cor da pele (quanto mais escura ela for, menos a pessoa absorve vitamina D); varia dependendo da fase da puberdade; alterações de acordo com a composição da gordura corporal; Depende se a dosagem foi tomada nos meses de inverno ou verão e dependendo da localização geográfica da criança, o que afeta a incidência dos raios ultravioleta.
Portanto, cabe ao pediatra avaliar individualmente se o paciente estaria em condições risco de hipovitaminose perguntar ou não a dosagem da vitamina. Se o médico souber que a criança pratica esportes ao ar livre, por exemplo, ele não precisará suplementar porque a criança fica exposta ao sol o suficiente para atingir níveis saudáveis. Caso o pequeno não esteja ao ar livre ou tenha uma dieta rica em alimentos específicos, pode ser recomendada a suplementação sem necessariamente dosar a vitamina.
“Nem todo laboratório nem todo hospital público mede esse hormônio. Se condicionarmos a recomendação à realização do exame, limitaremos e dificultaremos ainda mais a suplementação”, explica o presidente da SBP. Em casos de suspeita de qualquer doença renal, hepática ou autoimune, porém, o pediatra deve perguntar a dosagem para saber quais são os níveis e suplementar o suficiente.
Na avaliação do pediatra Thomaz Bittencourt Couto, professor médico da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, a suplementação é particularmente importante no populações em risco de deficiência. “Embora a exposição solar no Brasil seja maior do que em países do Hemisfério Norte, nossa alimentação não é particularmente rica em vitamina D”, analisa Couto. “Em tese, crianças sem fatores de risco, boa exposição solar e dieta rica em vitamina D não precisam de reposição, mas a nível populacional é difícil garantir todos esses fatores”.
A pediatra Débora Ariela Kalman, do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca que a suplementação é importante porque a vitamina D participa da mineralização óssea numa fase de intenso crescimento. “Com essa atualização conseguimos duas coisas: prevenir a deficiência de vitamina D nessa população, que cada vez tem menos exposição solar, e outro benefício é determinar a forma correta de suplementar, evitando doses exageradas”, pontua.
Riscos de suplementar sem orientação
Apesar da nova diretriz, não é recomendada a administração de vitamina D em crianças e adolescentes sem a supervisão de um pediatra. Ao contrário dos nutrientes hidrossolúveis, cujo excesso no organismo é liberado na urina, a vitamina D faz parte do grupo dos lipossolúveis, que só se dissolve na gordura. Isso significa que, quando consumido em excesso, pode se acumular em nosso organismo e causar danos à nossa saúde.
“A hipervitaminose D pode resultar em hipercalcemia (excesso de cálcio no organismo), que pode causar náuseas, vómitos, fraqueza e, em casos graves, problemas renais. Isso não deveria ocorrer com a dose recomendada pela SBP, mas muitas pessoas tomam doses muito superiores às sugeridas”, alerta o pediatra Thomaz Couto.
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