Psicólogos defendem importância de validar experiência de luto entre fãs que perdem ídolo – Jornal Estado de Minas

Psicólogos defendem importância de validar experiência de luto entre fãs que perdem ídolo – Jornal Estado de Minas



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um torcedor pode sentir tristeza ao perder um ídolo. O processo se caracteriza assim porque envolve a ruptura de um vínculo forte em um relacionamento amoroso, mesmo que seja em nível platônico. E deve ser validado.

É o que diz Maria Julia Kovács, professora sênior do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e membro do Laboratório de Estudos da Morte. “Todo sentimento é válido. Vamos partir da hipótese de que é muito importante entender o que cada pessoa está sentindo naquele momento”, afirma.

“É diferente, por exemplo, de quem não sabia [o artista]ele viu a morte, ficou chocado, mas fará outras coisas. O torcedor ainda terá todo um processo, ele vai lembrar, muitos estarão presentes no velório e no funeral”, afirma Kovács.

Liam Payne

A morte do cantor Liam Payne, ex-integrante da boy band One Direction, no dia 16/11, impactou a vida de muitos fãs pelas circunstâncias repentinas e trágicas em que aconteceu, mas também pelos anos de envolvimento daqueles que o acompanho desde a infância. Mesmo distantes da carreira atual do músico, fica uma lembrança do que ele quis dizer nesse período.

É assim que a coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções no Luto (Lelu), da PUC-SP, Maria Helena Franco, analisa a relação entre a legião de fãs e artistas. “Estamos falando de uma abstração de um símbolo daquilo que aquela pessoa representava. Não precisaria ser na convivência diária”, afirma. “Se foi alguém que representou o sucesso, a beleza, que trouxe palavras lindas e amorosas, é isso que se perde quando se vive o luto.”

Luciano Bregalanti, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP e autor de “Luto e Trauma” (Ed. Blucher), também relaciona a perda de um ídolo a um processo psíquico de reorganização subjetiva. “Projetamos nesta pessoa as nossas próprias aspirações, sonhos e vulnerabilidades, identificando-nos simultaneamente com ela através de algumas das suas características”, afirma. “Há uma perda de uma parte de nós que está ligada a essa imagem ou ideal.”

Mas, assim como outras demonstrações de afeto nas relações parassociais – constituídas unilateralmente entre indivíduos e figuras públicas -, como ficar horas na fila de um show ou chorar ao encontrar o artista, os sentimentos associados a essa perda tendem a ser subjugados por sociedade, destaca a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental Mayara Siqueira.

Ela caracteriza esse luto como não reconhecido e o compara à perda de um amigo ou animal de estimação, ao rompimento, à demissão e à aposentadoria. Segundo Siqueira, o que eles têm em comum é a intensidade das normas sociais impostas, seguidas de declarações de invalidação.

“A sociedade espera que determinado luto seja sentido e outros não, ou que tenha uma elaboração mais longa e, na realidade, cada luto é individual, não é menos válido ou inferior, apenas se manifesta de uma forma diferente”, afirma. “Não é justo fazer um ranking de perdas.”

Portanto, a zombaria e o descrédito nesses casos tornam a rede de apoio deficiente, afirma Siqueira. “Essa pessoa enlutada encontra menos espaço para vivenciar suas emoções, expressar suas reações de luto e isso traz ainda mais sofrimento”.

Vigílias

Ao redor do mundo, fãs de Liam Payne realizaram vigílias em homenagem ao cantor, reunidos em praças para cantar músicas, levar flores e trocar lembranças relacionadas à vida do artista. Isso, dizem os psicólogos, faz parte do luto coletivo, que também pode ajudar nessa fase e aguçar o sentimento de pertencimento.

“A perda de algo ou de alguém significativo só pode ser vivenciada de forma singular, mas a inscrição simbólica de sua memória precisa ocorrer no tecido social, por isso os rituais são tão importantes”, afirma Bregalanti.

A pesquisadora reforça, porém, a necessidade de que a aflição se transforme gradativamente para que se desenvolvam novas possibilidades de continuidade da vida de forma prazerosa. “Lembrar é parte essencial do luto e sentir dor associada à memória não é necessariamente sinal de dificuldades patológicas”, afirma.

Para Siqueira, que se diz fã da cantora, a morte causou um momento complexo para muitos fãs, que ressignificou um período da vida que até então parecia inocente e intocável.

“Precisamos integrar essas memórias de uma forma que honre não apenas aquela figura pública que teve um valor especial para nós, mas também a nossa própria história. Essa perda é uma forma de avançarmos para uma nova fase carregando essas memórias, mas de uma forma mais leve.”



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