Ao falar sobre a melhor idade para ter filhos, o mais comum é pensar na idade da mulher e em como o envelhecimento afeta suas chances de engravidar. Mas os riscos de ter filhos numa idade avançada não se aplicam apenas às mulheres. Uma nova pesquisa publicada na JAMA Network Open constata que a fertilidade masculina e a qualidade do sêmen também são prejudicadas pela idade.
Para chegar a esta conclusão, os autores partiram da premissa de que a idade dos pais à nascença está a aumentar, com um número crescente de nascimentos atribuídos a homens mais velhos – e não apenas a mulheres. Contudo, ainda são poucos os estudos que envolvem a paternidade de homens com mais de 50 anos e os efeitos desta na sua prole. Os autores decidiram então investigar os dados perinatais nos Estados Unidos entre 2011 e 2022, e aprofundaram os resultados para filhos de homens com mais de 50 anos.
Durante este período, os EUA registaram 46,1 milhões de nascimentos, com uma idade paterna média global de 31 anos. Desse total, 484 mil nascimentos (1,1%) envolveram homens com mais de 50 anos; 47 mil (0,1%) tinham pai com mais de 60 anos; e 3.777 (0,008%) eram filhos de homens com 70 anos ou mais.
Os autores compararam os resultados do nascimento de crianças com pais na faixa dos 30 e 50 anos. Os resultados mostram que, mesmo controlando a idade materna e outros fatores que podem afetar a gravidez, cada aumento de 10 anos na idade paterna foi consistentemente associado a um aumento nos casos de complicações na gravidez. Entre eles, um risco 16% maior de parto prematuro e um risco 14% maior de baixo peso ao nascer. O trabalho também mostra um maior uso de tecnologias de reprodução assistida para conceber – duas vezes mais probabilidade do que os pais jovens.
Eles também notaram que as parceiras de homens mais velhos demoravam mais para engravidar do que aquelas com cônjuges mais jovens. Para os autores, os resultados destacam a importância do planeamento familiar e do aconselhamento para todos os casais que decidem ter filhos após os 40 anos.
Mudanças genéticas
Tal como acontece com as mulheres, a fertilidade masculina também diminui com a idade, agravada pelo estilo de vida e pelas influências ambientais que reduzem a produção de testosterona pelo testículo e, consequentemente, prejudicam a função sexual e a qualidade da produção de esperma.
A idade avançada dos homens ainda está associada à redução da concentração, motilidade e morfologia dos espermatozoides – e isso pode levar à redução da qualidade seminal, com aumento da fragmentação do DNA e maior risco de anomalias genéticas transmissíveis ao feto.
Quanto mais ciclos celulares houver na célula produtora de espermatozoides, maior será o risco de ela sofrer mutações ao longo do tempo. Com o envelhecimento e a perda dos mecanismos de reparação celular, estas mutações não podem ser corrigidas naturalmente. “Como resultado, espermatozoides alterados começam a aparecer na ejaculação. Quando esse espermatozoide entra no óvulo, ele apresenta qualidade genética pobre, fragmentada, com maiores riscos de mutações genéticas”, explica o urologista Daniel Suslik Zylbersztejn, especialista em reprodução humana do Hospital Israelita Albert Einstein.
Outras possíveis consequências são que o embrião não tenha forças para gerar uma gravidez ou, caso isso ocorra, a gravidez tenha menos qualidade para continuar, aumentando o risco de aborto espontâneo e até de doenças no feto.
Do ponto de vista materno, o conhecimento científico sobre as possíveis complicações da gravidez de uma mulher em idade mais avançada está muito bem estabelecido e difundido e, por isso, pouco se fala sobre os riscos inerentes à idade do pai. “A literatura tem muito mais estudos envolvendo a idade das mulheres do que estudos que avaliam a idade paterna. Uma pesquisa básica no PubMed mostra 65 mil estudos envolvendo a idade das mulheres, em comparação com 5 mil estudos que estudam a idade paterna. Isso explica porque existe uma consciência tão grande sobre a idade materna e a saúde dos filhos, em comparação com os riscos da idade paterna”, compara Zylbersztejn.
Para o especialista, ainda há uma questão cultural relacionada à fertilidade masculina: o entendimento de que o homem continua produzindo sêmen ao longo da vida e, portanto, pode ser pai em qualquer idade e está tudo bem. “Mas não está tudo certo. Os homens, a partir dos 35 anos, começam a sentir perdas na qualidade do seu esperma. A partir dessa idade também começa lentamente a fragmentação do DNA, que se torna mais importante a partir dos 45 anos. Embora o homem ainda consiga manter o potencial natural de gravidez por muitos anos, a qualidade do sêmen não é a mesma”, destaca.
Existem estudos que relacionam a idade paterna a problemas como anomalias congênitas, cânceres infantis e piores resultados perinatais. Um deles, publicado em 2018 no Journal of Assisted Reproduction and Genetics, aponta riscos relativos aumentados de diversas doenças em crianças nascidas de pais com mais de 40 anos: nanismo (12 vezes mais); tumor renal (2,1 vezes); retinoblastoma (5 vezes); neurofibromatose (2,9 vezes); alterações cardiológicas (2 vezes); fissura labial e fissura palatina (1,4 vezes); e autismo (5,75 vezes).
Com base nesta evidência, a Associação Americana de Urologia e a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva recomendam aconselhar homens com 40 anos ou mais sobre estes riscos potenciais. “Temos que mudar o conceito de que só as mulheres envelhecem e que os problemas durante a gravidez estão associados apenas a elas”, destaca o urologista do Einstein. “O homem também envelhece e tem limites biológicos que terão impacto na reprodução e na saúde da sua prole. Este estudo [publicado no JAMA Network Open] reforça a necessidade de aumentar a conscientização dos casais que decidem ser pais em idade mais avançada.”
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