GENEBRA, SUÍÇA (FOLHAPRESS) – O consumo de álcool, mesmo que moderado, tornou-se um dos principais fatores de risco para o câncer de mama. Entre as mulheres europeias, o tumor já é o principal causado pelas bebidas alcoólicas, representando 66% de todos os casos de cancro que lhes são atribuíveis.
O alerta foi feito nesta terça-feira (17/9) em conferência organizada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) durante o Congresso Mundial do Câncer, que acontece em Genebra, na Suíça.
Segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), instituição que faz parte da OMS, não existem níveis seguros para o consumo de álcool quando se trata de maior risco de câncer.
Um dos estudos mencionados no evento mostra que apenas 21% das mulheres em 14 países europeus tinham conhecimento da relação entre o consumo de álcool e o risco de desenvolver cancro da mama.
Outros trabalhos indicam que mais de metade de todos os casos de cancro da mama atribuíveis ao álcool na Europa não se devem ao consumo excessivo de álcool. Cerca de um terço dos novos casos a cada ano estão associados ao consumo de até duas taças pequenas de vinho por dia, por exemplo.
Durante o evento, a ativista Kathy Anderew, 46, da África do Sul, relatou que nunca soube da relação entre bebidas alcoólicas e câncer de mama até que seu tumor agressivo foi diagnosticado, aos 38 anos.
“Cresci com meus pais bebendo na hora do jantar e com aquela mensagem de que bons vinhos fazem bem ao coração. E levei isso para a vida adulta. Sempre tive uma alimentação saudável, praticava esportes, mas beber fazia parte da minha rotina.”
Além dos tumores de mama, as bebidas alcoólicas estão associadas a outros seis tipos de câncer: intestino (cólon e reto), boca, laringe, faringe, estômago e fígado. Algumas pesquisas sugerem que eles também podem estar ligados a tumores de próstata e pâncreas, embora as evidências sejam menos claras.
Segundo a pesquisadora Isabelle Soerjomataram, do Iarc (Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer), a baixa conscientização sobre a associação do álcool com o câncer, principalmente os tumores de mama, representa atualmente uma das principais barreiras para a prevenção.
Os mecanismos biológicos que ligam o álcool ao cancro são conhecidos há décadas. Tanto o álcool quanto o tabaco foram classificados como carcinógenos do grupo 1 pela IARC na década de 1980.
Segundo os pesquisadores, o mais importante deles envolve a metabolização do etanol em acetaldeído, substância química tóxica para as células. Em outras palavras, o acetaldeído danifica o DNA e impede o corpo de reparar os danos. Com o DNA danificado, uma célula pode crescer incontrolavelmente, dando origem ao câncer.
No caso do câncer de mama, o consumo de álcool também afeta os níveis de estrogênio, segundo a mastologista Maira Caleffi, presidente da Femama (federação de instituições filantrópicas que apoiam a saúde das mamas).
O estrogénio desempenha um papel significativo no desenvolvimento e progressão de muitos cancros da mama, e o impacto do álcool sobre estes níveis hormonais pode explicar parcialmente o aumento do risco.
“Mulher que bebe tem muito mais ação estrogênica. Então, se você tiver uma célula alterada, esse excesso de estrogênio pode predispor ao câncer”, afirma.
Para Caleffi, o alerta é importante porque aumentou o número de mulheres jovens que consomem bebidas alcoólicas. “As mulheres ficam sozinhas em diversas fases da vida e o álcool se tornou um companheiro”.
Segundo dados do Vigitel, entre 2008 e 2023, o percentual de mulheres que relataram abuso de álcool saltou de 9,6% para 15,2%. Entre os homens, quase não houve alteração (26,1% para 27,3%).
Segundo o relatório, abuso é quando uma mulher ingere quatro ou mais doses e um homem ingere cinco ou mais doses na mesma ocasião, pelo menos uma vez nos últimos 30 dias anteriores à data do inquérito.
“O consumo é uma coisa um tanto escondida, mas o peso aparece. E não aparece só na balança”, explica a médica. “Com a obesidade, o corpo fica mais inflamado, a forma como a insulina é processada muda e isso também é um fator de risco”.
Na sua opinião, porém, os profissionais de saúde ainda têm dificuldade em falar com as mulheres sobre os riscos associados ao consumo de álcool. “Talvez porque muitos também bebam e não vejam problema nisso, apesar das evidências”.
Ao mesmo tempo, Caleffi afirma que é preciso muito cuidado na abordagem do assunto, pois os hábitos são difíceis de mudar e o paciente pode desistir.
“Não adianta proibir, temos que propor a redução. Se continuarmos dizendo que qualquer queda pode levar ao câncer, então as pessoas vão realmente meter o pé nisso. Sabemos que depende da dose e do tempo.”
Numa outra mesa, também coordenada pela OMS, foi discutida a criação de uma rede de parceiros dedicados à promoção de ambientes propícios ao combate aos cancros relacionados com o álcool com base nos dados mais recentes sobre a ligação entre as bebidas e o cancro da mama.
A ideia é que o grupo trabalhe ao lado de formuladores de políticas públicas e legisladores para reduzir a incidência de câncer em todo o mundo. Entre as propostas, por exemplo, estão a melhoria da regulamentação de rotulagem de bebidas alcoólicas e a criação de mais impostos.
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