Uma nova terapia genética trouxe luz aos pacientes com amaurose congênita de Leber (LCA), uma condição hereditária rara que causa perda significativa de visão na infância. Segundo estudo liderado por pesquisadores da Perelman School of Medicine da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e publicado na revista A Lancetaalgumas pessoas com a doença tiveram sua acuidade visual melhorada em até 10 mil vezes após receberem a dose mais alta do tratamento.
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De acordo com Artur Cideciyan, principal autor do estudo e professor de oftalmologia na Universidade da Pensilvânia, a melhoria de 10.000 vezes é equivalente a um paciente ser capaz de ver o que o rodeia à luz de uma fogueira à noite, enquanto antes da terapia, seria necessária iluminação. brilhante. Para o cientista, o sucesso das terapias genéticas para formas hereditárias raras de cegueira retiniana “provavelmente levará à aplicação destas tecnologias de medicina personalizada a doenças muito mais comuns no futuro”, sublinhou.
O estudo envolveu 15 participantes, incluindo três crianças, todos com diagnóstico de LCA devido a mutações no gene GUCY2D, essencial para a produção de proteínas essenciais à visão. Esta condição rara afeta menos de 100.000 pessoas em todo o mundo e causa perda grave de visão já na infância.
Distância
Os voluntários do teste tinham visão extremamente prejudicada, com a melhor medição igual ou inferior a 20/80 — isso significa que, embora uma pessoa com visão normal possa ver claramente um objeto a 24 metros de distância, esses pacientes precisavam se aproximar 6 metros para vê-lo com a mesma qualidade. . Os óculos não oferecem um alívio significativo para quem tem esse diagnóstico, pois apenas corrigem anomalias no foco, sem tratar as causas.
A pesquisa testou a terapia genética ATSN-101, derivada do vírus AAV5, injetada diretamente sob a retina. Na primeira fase, foram administradas três dosagens diferentes – baixa, média e alta – a grupos de três adultos. Na etapa seguinte, as maiores quantidades foram aplicadas em três adultos e três crianças.
Os resultados mostraram uma melhora rápida e significativa da visão, observada principalmente no primeiro mês após a terapia e mantida por pelo menos um ano. Três dos seis pacientes que receberam a dose mais elevada alcançaram a pontuação máxima nos testes de mobilidade em condições de diferentes níveis de luz. Outras avaliações incluíram gráficos oftalmológicos e testes de percepção de luz em ambientes escuros. A maioria dos participantes experimentou uma melhora de 100 vezes após o tratamento.
Entre os voluntários que receberam a dose máxima, dois apresentaram melhora de 10 mil vezes na visão. “A descoberta mais significativa foi observar grandes melhorias na visão noturna. As fases subsequentes do estudo ainda estão em fase de planejamento”, destacou Cideciyan.
Segurança
A pesquisa concentrou-se principalmente na segurança da terapia genética e na eficácia de diferentes dosagens. A maioria dos efeitos colaterais registrados estava relacionada ao procedimento cirúrgico, sendo o mais comum a hemorragia conjuntival, ruptura de pequenos vasos sanguíneos da superfície ocular, que cicatrizou sem intercorrências. Dois pacientes apresentaram inflamação ocular, que foi controlada. Não houve problemas graves associados ao medicamento.
Para Adelmo Jesus, oftalmologista especializado em retinas, embora ainda haja um longo caminho a percorrer antes de implementar a terapia, os resultados do ensaio são encorajadores. “Existe uma gama muito ampla de distrofias e alterações retinianas relacionadas a questões genéticas. Este seria um passo inicial para tentar outras doenças, por exemplo, a retinite pigmentosa, que é uma distrofia retiniana muito comum”.
Segundo os autores, o estudo segue o sucesso de trabalhos anteriores da Universidade da Pensilvânia que restauraram a visão em pacientes com uma forma diferente de LCA, utilizando a edição do gene CRISPR-Cas9 para tratar mutações no gene CEP290. Co-liderado pelo cientista Tomas S. Aleman, o ensaio marcou a primeira inclusão de crianças em ensaios de edição genética.
“O sucesso dos nossos recentes ensaios clínicos, combinado com a experiência anterior, traz esperança de um tratamento viável para aproximadamente 20% da cegueira infantil causada por degenerações hereditárias da retina”, disse Aleman em comunicado. “Nosso objetivo agora é refinar esses tratamentos e explorar as primeiras manifestações dessas condições, uma vez que a segurança seja comprovada. Esperamos que abordagens semelhantes resultem em sucessos semelhantes em outras formas de cegueira retiniana congênita”.
Futuro
Para aprovação clínica do medicamento experimental será necessária a realização de um novo estudo, denominado randomizado e duplo-cego. Nesse caso, os participantes e pesquisadores não saberão quem está recebendo a terapia ou o placebo, minimizando possíveis vieses nos resultados.
Adelmo Jesus afirma que, se forem obtidos resultados satisfatórios em trabalhos futuros, a terapia será bem recebida no mercado. “Se for aprovado e começar a ser comercializado, haverá uma revolução para os pacientes com alterações genéticas, porque hoje não existe um tratamento 100% direcionado”.
Escolha dos pacientes
“A terapia genética oferece uma abordagem inovadora em comparação com as intervenções tradicionais. Embora a cirurgia e as lentes possam melhorar a visão de formas limitadas e temporárias, a modificação genética visa corrigir a causa subjacente da perda de visão, proporcionando uma recuperação mais duradoura. Os principais desafios na implementação desta abordagem incluem seleção adequada do paciente e manejo dos efeitos colaterais devem considerar a condição anatômica e funcional dos fotorreceptores residuais, bem como a resposta imunológica aos efeitos colaterais do vetor viral, como inflamação intraocular e deterioração da acuidade visual, observadas em alguns pacientes.
Rafael Yamamoto, oftalmologista chefe da área de retina do Hospital Visão de Olhos, em Brasília
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