SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto livros sobre anatomia reprodutiva definem o clitóris como um corpo erétil, a filósofa francesa Catherine Malabou o coloca como uma pedra no sapato da imaginação sexual. Sua função, de dar prazer à mulher, “incomoda a consciência e machuca o calcanhar”.
O órgão, durante muito tempo ignorado e estudado mais profundamente apenas no século XX, é tema de seu novo livro “O Prazer Censurado – Clitóris e Pensamento”, que explora o apagamento, os significados, a função física e a representação social do o clitóris, a fim de colocar a biologia e a política como domínios indistinguíveis.
“Tudo o que estamos tentando analisar aqui é completamente político”, diz Malabou, que também é professor de filosofia na European Graduate School, à Folha. “É uma questão: podemos empoderar as mulheres ou não? Então, a questão da sexualidade é sempre política, porque é uma questão de poder, de quem domina quem”.
Essa discussão é detalhada em um pequeno trabalho, que permite a leitura dos capítulos em qualquer ordem.
O cerne do pensamento de Malabou é a comparação do clitóris em relação ao pênis e à vagina – ao primeiro é atribuída uma condição subordinada. Enquanto o órgão masculino tem funções reprodutivas e de prazer, o clitóris seria sua redução, uma atrofia, ou, como diria Freud, um pênis castrado. Ao mesmo tempo, seria um órgão menor que a vagina em tamanho e importância, já que apenas a vagina é necessária para procriar.
O autor não acredita, porém, que o apagamento histórico do clitóris se deva apenas ao machismo. Antes, houve uma tentativa de entender como funcionariam dois órgãos sexuais no mesmo corpo. Só mais tarde a misoginia teria entrado na equação.
“Eles disseram: OK, existem dois corpos, mas apenas um é importante”, diz ela. “O machismo aparece porque o prazer da mulher é perigoso, porque indica autonomia, que a mulher pode ter prazer sozinha e não necessariamente com o homem”.
O esquecimento histórico no Ocidente, portanto, seria devido à inutilidade reprodutiva do órgão, argumenta ela.
Após os avanços científicos pressionados pelos movimentos feministas, a medicina e a biologia fizeram o dever de casa ao estudar o clitóris. Mas um problema maior é a investigação dos efeitos na psique? Não haveria necessidade de aprofundar áreas como psicologia e psicanálise, diz ele.
Isso porque a distância entre homem e mulher fica evidente no prazer. No caso dos homens, o orgasmo está diretamente ligado à reprodução, enquanto nas mulheres um pode ocorrer apesar do outro. Por que, então, o orgasmo feminino seria importante? Foi acordado que não.
“Em culturas africanas muito antigas encontramos estátuas com clitóris. Mas é uma prática muito antiga”, diz ele. “Então, com o desenvolvimento da civilização, etc., isso acabou.”
A filósofa segue a mesma direção escolhida pelos movimentos feministas e eleva o pequeno órgão a um personagem que deve ser explorado, justamente pelo seu protagonismo no prazer feminino e pelo seu distanciamento das funções reprodutivas.
Há, no entanto, evidências científicas que dizem o contrário. A própria autora cita um artigo publicado na revista Clinical Anatomy em que pesquisadores identificaram que a estimulação do clitóris ativa uma série de funções cerebrais que tornam a reprodução mais eficiente.
Voltando-se para a filosofia, Malabou questiona os resultados e escreve que “redirecionar o prazer para fins reprodutivos é o mesmo que negá-lo”.
Afinal, por que as mulheres teriam o privilégio de ter um órgão apenas por prazer, sem outra função? Saber dessa exceção não é suficiente para aceitá-la, diz ela. “A autonomia de prazer das mulheres teve e terá, talvez sempre, de ser defendida, discutida, construída.”
PRAZER CENSURADO? CLITÓRIS E PENSAMENTO
– Preço R$ 59,90 (128 páginas)
– De autoria de Catherine Malabou
– Editora Ubu
– Tradução de Célia Euvaldo
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