Evite o barulho ruas, avenidas e estradas abaixo de 55 decibéis poderia salvar 110 mil vidas por ano, sugerem pesquisadores dinamarqueses.
O problema é que, só na Europa, quase 150 milhões de pessoas estão sujeitas a níveis de ruído que excedem este limite porque vivem perto de aeroportos, linhas ferroviárias ou estradas rodoviárias.
Na verdade, o poluição sonora é cada vez mais reconhecido como um fator que prejudica o corpo e a mente: o Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o ruído como o “fator de risco ambiental mais subestimado”.
Essas foram algumas das informações apresentadas pelo pesquisador Thomas Münzel, da Universidade de Mainz, no Alemanhadurante sessão científica realizada nesta sexta-feira (30/8) no Congresso Europeu de Cardiologia (ESC 2024).
A edição deste ano do evento, que acontece em Londres, no Reino Unido, reúne mais de 30 mil médicos de diversas partes do mundo e apresenta as principais novidades sobre o saúde do coração e dos vasos sanguíneos.
Durante a palestra, Münzel explicou que o ruído pode prejudicar o sistema cardiovascular de duas maneiras diferentes.
Em primeiro lugar, existe uma ligação direta entre a exposição contínua ao ruído e os danos à saúde. É o que acontece, por exemplo, no processo de perda auditiva.
Em segundo lugar, existe uma relação indireta entre as duas coisas. Münzel destacou que a poluição sonora pode, por exemplo, dificultar a comunicação entre as pessoas e afetar diretamente o sono de um indivíduo que mora em um bairro muito barulhento.
Esses dois fatores, por sua vez, geram estresseirritação e raiva. Com o tempo, essas sensações tornam-se crônicas e promovem a liberação de substâncias que prejudicam o endotélio, camada que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos.
Essas lesões podem ser fonte de problemas ainda mais graves e levar ao infarto agudo do miocárdio ou ao acidente vascular cerebral (AVC).
O que a pesquisa diz
Dois trabalhos divulgados durante a ESC 2024 trouxeram novas informações sobre poluição sonora e risco cardiovascular.
O primeiro estudo, batizado de Decibel-MI, avaliou 430 pessoas com menos de 50 anos que, por diversos motivos, eram continuamente submetidas a níveis de ruído superiores à média da população. Todos eles também sofreram um ataque cardíaco.
Os resultados do monitoramento mostraram que a exposição ao ruído aumenta o risco de ataque cardíaco, mesmo entre indivíduos que apresentavam baixo risco de sofrer tal evento.
Neste contexto, “baixo risco” descreve aquelas pessoas que não apresentam as condições que tradicionalmente predispõem à insuficiência cardíaca, como hipertensão, colesterol alto, tabagismo, diabetes, histórico familiar…
Os autores deste primeiro estudo, realizado na cidade de Bremen, na Alemanha, propõem que a exposição ao ruído seja incluída nas avaliações de saúde dos pacientes como forma de ajudar a definir o risco de sofrer de uma doença cardiovascular mais grave no futuro.
A segunda pesquisa, realizada na Universidade da Borgonha e no Hospital de Dijon, na França, buscou compreender a perspectiva de saúde de pacientes que já sofreram um primeiro infarto e depois tiveram contato com muito barulho no dia a dia.
“No estudo, encontramos uma forte associação entre a exposição ao ruído urbano, principalmente à noite, e um pior prognóstico um ano após o primeiro infarto”, resumiu a professora Marianne Zeller, autora do artigo, em comunicado divulgado à imprensa. .
Foram avaliados dados de 864 indivíduos que sobreviveram a um ataque cardíaco. Após 12 meses de acompanhamento, 19% deles tiveram algum evento cardiovascular mais grave (como nova internação por insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral, dor torácica intensa ou morte).
Os cientistas quantificaram o nível de poluição sonora nas casas de cada voluntário.
A média europeia é de 56 decibéis na escala de ponderação A (dBA), que é comumente usada para fazer medições deste tipo.
A título de comparação, 50 dBA equivale mais ou menos ao som da chuva.
Outras atividades e fenômenos geram sons mais graves, como o farfalhar (30 dBA), o tique-taque de um relógio (20 dBA) ou o bater das folhas de uma árvore (10 dBA).
Mas há aquelas coisas que literalmente se transformam em ruído — e, a longo prazo, podem prejudicar o coração, segundo evidências científicas. É o caso da passagem de caminhões (90 dBA), britadeiras (100 dBA) ou decolagem de aviões (120 dBA).
Ao fazer cálculos que levaram em conta a realidade dos pacientes monitorados, os especialistas franceses descobriram que há um risco 25% maior de sofrer um evento cardiovascular mais grave a cada aumento de 10 dBA durante a noite.
Zeller considera que a descoberta deve ser confirmada por outros estudos, mas acredita que a investigação pode “ajudar a identificar novas estratégias de prevenção ambiental”, incluindo eventualmente algum tipo de isolamento acústico nas habitações de indivíduos com elevado risco de sofrer um ataque cardíaco.
Durante a apresentação na ESC 2024, Münzel reforçou a noção de que o ruído causa doenças cardiovasculares.
Em pesquisa que o pesquisador alemão publicou em abril deste anopor cada 10 dBA adicionais de ruído do trânsito, há um aumento de 3,2% no risco de sofrer de uma doença que afecta o coração e os vasos sanguíneos.
Münzel lembrou ainda que o ruído emitido durante a noite parece ser particularmente prejudicial à saúde — e afeta diretamente parâmetros como pressão arterial e função endotelial (camada que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos).
O médico observou isso em uma série de estudos com cobaias de laboratório, em que a exposição ao ruído aumentava a pressão arterial, ativava substâncias inflamatórias e gerava estresse oxidativo no organismo —uma combinação de fatores que causa danos ao coração.
É possível “silenciar” a poluição sonora?
Para alguns dos fatores de risco cardiovasculares mais tradicionais (hipertensão, colesterol alto, diabetes…), existem medidas simples e eficazes que podem ser postas em prática para ajudar a prevenir consequências mais graves, como infarto e acidente vascular cerebral.
É o caso, por exemplo, de uma alimentação variada e equilibrada, da prática regular de atividade física, de não fumar, de não ingerir bebidas alcoólicas em demasia e de manter o peso dentro dos limites pretendidos.
Mas e o ruído? Como lidar com algo que vai muito além da ação individual — e que afeta a maioria das pessoas que vivem nas grandes cidades?
Durante sua palestra, Münzel destacou que existem algumas políticas públicas eficazes que já foram avaliadas e podem ser implementadas na prática.
No caso de rodovias, avenidas e ruas, é possível criar limites à emissão de ruídos dos motores dos veículos, incentivar carros elétricos (que são muito mais silenciosos), alterar a composição do asfalto e dos pneus (que podem absorver reduzir o som ou reduzir o atrito, por exemplo), instalar barreiras sonoras nas estradas mais movimentadas e reduzir o limite de velocidade em áreas densamente povoadas.
No transporte ferroviário, algumas das táticas são melhorar a infraestrutura dos trens para reduzir o ruído que eles fazem nas frenagens, além de investir em modelos elétricos.
Na aviação, Münzel menciona a possibilidade de atualização dos protocolos de pouso e decolagem, com o objetivo de reduzir os decibéis das turbinas. Outra recomendação é a criação de políticas para redução do tráfego aéreo noturno.
Segundo o especialista, que citou um relatório da Comissão Europeia que detalha formas de combater a poluição sonora, algumas destas mudanças estruturais — como a instalação de barreiras acústicas em estradas movimentadas — poderiam reduzir o ruído em até 20 decibéis em determinados bairros e regiões.
“Precisamos chamar a atenção para o impacto significativo da poluição sonora como fator de risco para doenças cardiovasculares”, concluiu Münzel durante a sua palestra na ESC 2024.
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