O Ministério da Saúde confirmadas nesta quinta-feira (25/7) duas mortes por febre oropouche. As vítimas são mulheres jovens, com menos de 30 anos, que moravam no interior do Estado de Bahia.
Apesar de doença é conhecida há quase 70 anos, foi a primeira vez que foram observadas mortes relacionadas a ela.
Pesquisadores de diversas partes do mundo já alertavam sobre o aumento de casos e o potencial dessa condição causar surtos e epidemias para os próximos anos (entenda mais abaixo).
Mas quais são as causas da febre oropouche? E quais são as formas de diagnóstico, prevenção e tratamento?
A BBC News Brasil preparou um guia com as principais respostas para essas e outras dúvidas relacionadas ao oropouche.
1. O que é a febre oropouche?
Ó Ministério da Saúde informa que a febre oropouche “é uma doença causada por um arbovírus [vírus transmitidos por artrópodes] do gênero Ortobunyavírusda família Peribunyaviridae”.
O vírus em questão é conhecido entre os cientistas como Orthobunyavirus oropoucheense, ou pela sigla OROV.
Um artigo publicado por cientistas da Universidade do Kansasnos EUA, explica que a família Peribunyaviridae está entre as mais extensas em virologia — já foram descritos pelo menos 30 agentes infecciosos que pertencem a esse grupo.
O estudo aponta ainda que pelo menos cinco vírus dessa família já foram detectados no Brasil. OROV é um deles.
2. Como é transmitida a febre oropouche?
O vírus é transmitido pela picada de mosquitos, principalmente da espécie Culicoides paraensisque é popularmente conhecido como maruim ou flebotomíneo.
Outro possível transmissor do agente infeccioso em ambientes urbanos é Culex quinquefasciatuscomumente chamado de mosquito ou muriçoca.
Um estudo da Divisão Médica da Universidade do Texasnos EUA, destaca que o Culicoides paraensis está espalhado pelas Américas.
Já foi identificado desde o norte dos Estados Unidos, quase na fronteira com o Canadá, até o sul da Argentina e do Chile.
Ó Culicoides paraensis Geralmente é encontrada em áreas florestais úmidas e próximas a reservatórios de água.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, em ciclos de transmissão observados na natureza, o vírus causador da febre oropouche também foi detectado em primatas não humanos (como macacos-prego) e preguiças.
Os cientistas também suspeitam que isso possa afetar algumas aves.
Nos ciclos epidêmicos urbanos, que envolvem humanos, ainda não foram observados casos de transmissão direta de uma pessoa para outra.
No entanto, relatório publicado pelo Ministério da Saúde avalia a possibilidade e os riscos de transmissão vertical, da gestante para o bebê que se forma no útero.
O texto chama a atenção para uma análise realizada em junho de 2024 pelo Instituto Evandro Chagas, em Belém do Pará, que detectou a presença de anticorpos contra o vírus oropouche em quatro recém-nascidos com microcefalia.
“Isso é uma evidência de que ocorre transmissão vertical do OROV, porém as limitações do estudo não permitem estabelecer relação causal entre a infecção durante a vida intrauterina e malformações neurológicas em bebês”, pondera o texto.
Outra investigação laboratorial realizada nas últimas semanas identificou material genético do vírus causador da oropouche num caso de morte fetal, ocorrida às 30 semanas de gestação.
Trechos do agente infeccioso foram encontrados “no sangue do cordão umbilical, na placenta e em vários órgãos fetais, incluindo tecido cerebral, fígado, rins, pulmões, coração e baço”.
Novos trabalhos científicos deverão ser publicados nos próximos meses para entender melhor como esse vírus pode afetar o desenvolvimento do bebê durante a gravidez.
3. Quais são os sintomas da febre oropouche?
Evidências publicadas indicam que a incubação – tempo entre a entrada do vírus no corpo e o aparecimento dos primeiros sintomas – varia entre quatro e oito dias.
A partir daí, os sinais da doença são muito semelhantes aos de outras arboviroses, como a dengue.
A OMS aponta que os principais sintomas da febre oropouche são:
- Febre alta de início repentino;
- Dor de cabeça;
- Dor atrás dos olhos;
- Rigidez ou dor nas articulações;
- Arrepios;
- Náusea;
- Vômito.
Geralmente, esses desconfortos duram um período de cinco a sete dias.
Curiosamente, após a recuperação, cerca de 60% das pessoas afetadas pela febre oropouche sofrem uma recaída.
Ou seja, após cerca de duas semanas do episódio inicial, os sintomas voltam a aparecer — às vezes, são ainda mais fortes, como observa o artigo da Universidade de Kansas.
Ainda não está 100% claro se essa recaída tem a ver com algum problema imunológico do paciente ou se os afetados sofreram uma reinfecção por circularem em áreas com alta concentração de mosquitos transmissores do vírus.
4. A febre oropouche é grave? Isso pode matar?
Os trabalhos científicos publicados até agora sobre a febre oropouche citaram a possibilidade de algumas complicações mais graves.
As principais seriam a encefalite e a meningite, inflamações do cérebro ou das membranas que recobrem o sistema nervoso, respectivamente.
Porém, as duas mortes anunciadas pelo Ministério da Saúde nesta quinta-feira (25/7) são absolutamente inéditas.
“Até o momento, não havia nenhum relato na literatura científica mundial sobre a ocorrência de morte pela doença”, confirma o ministério em nota.
Outra morte notificada no Estado de Santa Catarina está sob investigação para confirmar se tem alguma relação com a febre oropouche.
5. Qual é o tratamento da febre oropouche?
Até o momento, não existe nenhum medicamento específico para tratar a febre oropouche.
Um artigo publicado publicado por especialistas da Índia, Nepal, Brasil e Peru na revista acadêmica The Lancet Microbe classifica os surtos de febre oropouche como “uma preocupação crescente” e alerta para a falta de pesquisas sobre novos tratamentos contra a doença.
O Ministério da Saúde diz que “os pacientes devem permanecer em repouso, com tratamento sintomático e acompanhamento médico”.
Isso significa que um profissional de saúde pode recomendar alguns medicamentos específicos para aliviar os sintomas, como febre, dor e náusea.
Também é importante que os infectados utilizem repelentes, para evitar que sejam novamente picados por mosquitos transmissores, que podem transmitir o vírus a outros indivíduos.
6. Como prevenir a febre oropouche?
Não existem vacinas disponíveis para prevenir a infecção por OROV.
O mesmo estudo publicado no The Lancet Microbe aponta que, até o momento, houve apenas um estudo sobre imunizações contra a febre oropouche.
Este trabalho, porém, está em fase bastante preliminar, em testes iniciais com cobaias de laboratório.
As autoridades de saúde sugerem algumas medidas básicas para reduzir o risco de contrair a infecção:
- Evite áreas onde haja muitos mosquitos, principalmente pernilongos;
- Instalar telas de malha fina nas portas e janelas;
- Use roupas que cubram a maior parte do corpo para evitar picadas de mosquitos;
- Aplicar repelente nas áreas da pele que permanecem expostas;
- Mantenha sua casa limpa, principalmente áreas externas com plantas ou animais — materiais orgânicos, como folhas e frutas que caem no chão, podem atrair mosquitos.
O Ministério da Saúde ainda orienta que caso sejam confirmados casos na região onde mora, é importante seguir “as orientações das autoridades locais para reduzir o risco de transmissão”.
Do ponto de vista da saúde pública, estudos e relatórios assinados por cientistas apelam a uma vigilância intensificada — ou seja, maior disponibilidade de testes para fazer diagnósticos rápidos e conter surtos antes que se espalhem.
Segundo os especialistas, há também necessidade de mais investimento na investigação sobre a transmissão vertical (passagem do vírus das mulheres grávidas para os seus bebés) e no desenvolvimento de medicamentos e vacinas.
7. Como a febre oropouche chegou ao Brasil?
O vírus que causa a febre oropouche foi identificado pela primeira vez em 1955, em um paciente que morava na aldeia de Vega de Oropouche, na ilha de Trinidad, que fica no Caribe.
Pouco depois, na década de 1960, o agente infeccioso também foi descoberto no Brasil. Alguns estudos da época isolaram o patógeno em uma preguiça de três dedos (Bradypus tridactylus).
No mesmo período, a construção da estrada Belém-Brasília foi apontada como o evento responsável por um grande surto de febre oropouche que afetou a capital paraense, com mais de 11 mil casos suspeitos.
Entre 1961 e 2000 foram registrados mais de 30 surtos de oropouche no Brasil, especialmente nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Goiás, Maranhão, Pará, Rondônia e Tocantins, De acordo com pesquisa da Universidade do Kansas.
Nas últimas seis décadas, pesquisadores estimam que mais de 500 mil casos da doença foram diagnosticados no Brasil — embora admitam que esse número possa estar subestimado.
Além do Brasil, o oropouche também é um problema de saúde pública em países como Peru, Colômbia, Equador, Argentina, Guiana Francesa, Panamá, Trinidad e Tobago, Bolívia e Cuba.
O avanço do desmatamento e as mudanças climáticas aumentam o risco dessa doença se espalhar para outros locais e criar novos ciclos de transmissão urbana desse vírus — assim como já está acontecendo com a dengue, o zika e a chikungunya.
O Ministério da Saúde estima que, em 2024, foram registrados 7.236 casos de febre oropouche, espalhados por 20 estados brasileiros.
A maioria das infecções ocorreu no Amazonas e Rondônia.
“A detecção de casos de febre oropouche foi ampliada para todo o país em 2023, após o Ministério da Saúde disponibilizar testes diagnósticos de forma inédita para toda a rede nacional de Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen). até então concentrados na região Norte, passaram a ser identificados também em outras regiões do país”, finaliza a nota do ministério.
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