A população brasileira está envelhecendo. De acordo com o último censo (2022), as pessoas com mais de 60 anos representam agora 15,6% do país. Há pouco mais de uma década, esse grupo correspondia a menos de 11% da população. Entre um censo e outro, o contingente de idoso cresceu uns impressionantes 56 pontos percentuais. O Brasil envelhece – e envelhece rapidamente.
Isso é uma boa notícia. O aumento de brasileiros na “melhor idade” indica que as condições de saúde da população melhoraram de forma geral, aliada ao avanço da medicina, que cada vez mais nos permite prolongar a vida.
No entanto, mudanças demográficas desta magnitude trazem sempre desafios, seja do ponto de vista económico, social, de planeamento urbano ou de política pública. O país está preparado para lidar com uma população mais idosa? Infelizmente, parece que, por enquanto, a resposta é “não”.
Eu fico aqui para Área de Saúde. Há avanços incríveis em áreas como genética, robótica e medicina personalizada, que podem ampliar enormemente o arsenal hoje disponível para combater doenças típicas da velhice. Mas pouco se fala sobre comportamento, sobre cognição, sobre adaptabilidade. Parecemos muito preocupados em curar os idosos, mas estaremos formando profissionais preparados para conviver e interagir com esta população cada vez mais numerosa?
A pergunta nos faz refletir sobre uma espécie de erro cultural que precisa ser combatido se quisermos avanços reais na forma como acolhemos nossos idosos: ainda temos dificuldade de enxergar que a velhice não é um problema ou, pior, uma doença a ser curada , mas simplesmente uma fase da vida – que, aliás, para a maioria das pessoas durará mais do que a infância.
Como qualquer outra fase, possui características próprias, que precisam ser levadas em consideração, naturalmente, pelo profissional de saúde. Hoje temos uma cultura míope nas universidades médicas e nos hospitais, que se concentra em estudar e tratar casos de alta complexidade, ignorando cuidados simples e cotidianos, capazes de melhorar a qualidade de vida dos idosos. Num contexto de envelhecimento da população, esta é uma receita para o caos.
Melhorar a saúde dos idosos passa, portanto, por combater o preconceito de idade – isto é, o preconceito baseado na idade. Imagine o seguinte experimento: um professor pede a uma turma de universitários que escrevam o que lhes vem à cabeça, sem filtro, ao ouvirem a palavra “velho”. Aparecem palavras como “fraco”, “fraco”, “doente”, “curvado”, “lento”, “teimoso”, “solitário”. A professora repete o exercício, desta vez com a palavra “ancião”. As respostas variam entre “sábio”, “experiente”, “líder”, “conhecimento”, “poder”.
Esse experimento é real, aconteceu durante o curso de medicina da Universidade da Califórnia e é descrito pela geriatra norte-americana Louise Aronson em seu livro “Beyond Aging” (Elderhood, no original em inglês). Como indica o título, que brinca com o verbo “envelhecer” e com as noções de infância ou adolescência, Aronson propõe que encaremos a velhice como o “terceiro ato” da nossa vida, tão rico quanto os anteriores, e não como “ uma expansão repugnante de anos ou décadas.”
É uma lição valiosa para todos os profissionais da área. Olhar a velhice através dos prismas de cuidados de saúde eficazes, qualidade de vida e integração é um passo importante para acolher verdadeiramente este grupo cada vez mais numeroso.
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