Marcus D’Almeida, o arqueiro verde e amarelo

Marcus D’Almeida, o arqueiro verde e amarelo



O arco e flecha fazem parte da lista das maiores invenções da humanidade devido ao seu papel essencial na caça na batalha pré-histórica pela sobrevivência e, posteriormente, como arma valiosa na guerra. Importantes civilizações acabaram por transformar o artefacto num desporto, especialmente apreciado pelos faraós egípcios e que, nas mãos da nobreza chinesa, já no século XI a.C., ganharia o seu carácter competitivo. Várias voltas ao mundo depois, o esporte, hoje chamado de tiro com arco e classificado como categoria olímpica, desembarcou com tudo em um lugar improvável do planeta — Maricá, cidade a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, mais conhecida por estar localizada no Rio trilha do petróleo de Janeiro. É lá que Marcus Vinícius D’Almeida, 26 anos, do Rio de Janeiro, atual número 1 do ranking mundial, vive e treina obsessivamente com a ideia fixa de conquistar a medalha de ouro nas Olimpíadas de Paris, em julho. “Meu esporte é solitário, é você com o arco, um exercício constante de equilíbrio físico e mental visando o pódio”, diz Marcus, a quem todos, apesar do 1,83 metro, chamam de Marquinhos.

No dia em que recebeu a denúncia de VEJA, ele seguiu à risca um roteiro que começa às 8h e só termina às 20h. Ele tocava no alto-falante uma música trap, subgênero do rap, que o auxilia no gesto meticuloso de posicionar a flecha, congelando o corpo em busca da precisão e atirando em direção ao alvo 70 metros à frente. O ato, que seria repetido 300 vezes, parece quase um balé, envolto em leveza, mas só o arco pesa 4,5 quilos e, no momento do tiro, a carga no corpo aumenta para 25. “É um esporte que alia força bruta à movimentação fina”, explica o biomecânico Henrique Lelis, do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que conhece Marcus e destaca sua capacidade de não se deixar desanimar quando comete um erro. Foi com frieza e excessiva autocrítica que fez o balanço do treino daquela manhã: dos 100 tiros disparados à velocidade média de 228 quilómetros por hora, seis não atingiram a pontuação máxima. O que seria razoável? “Alguns remates fora do alvo”, estimou, rematando ao seu estilo: “Mesmo assim é intolerável”.

Em Paris, a competição acontecerá no terraço em frente ao Hôtel des Invalides, com sua luminosa cúpula dourada, onde está sepultado Napoleão Bonaparte. Marcus está curioso para ir até lá (embora seu coração bata mais pela Torre Eiffel), mas agora ele nem pensa nisso. “Não dá para tirar as flechas, a visita vai esperar até a próxima”, explica ele, que já experimentou o local em 2023, quando conquistou o bronze em uma etapa da Copa do Mundo. Ele gosta da área, verde e cercada por belas construções que funcionam como escudo contra o vento — fator imprevisível com o qual nenhum atleta de tiro com arco gosta de lidar.

“Ninguém se torna o número 1 do mundo sem gostar de pressão. Procurei isso e adoro ser a atração do show.”

Em sua primeira Olimpíada, no Rio, em 2016, o palco do duelo foi o Sambódromo, e na outra, em Tóquio, um campo muito aberto. Participou dos Jogos do Rio aos 18 anos e perdeu na largada. “Ele estava determinado a melhorar e ganhar uma medalha no Japão”, lembra sua noiva, a veterinária Bianca Rodrigues, 28 anos, também praticante de tiro com arco. Mas Marcus seria eliminado nas oitavas de final, resultado que o ajudou a ganhar força e mais controle sobre sua mente. “Uma derrota sem análise é apenas uma derrota. Com o tempo, aprendi a extrair coisas disso”, diz.

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Ele tinha 12 anos e já estava habituado a atividades físicas — natação, remo, capoeira — quando sua mãe, a contadora Denise Carvalho, 60, conheceu um programa para crianças e adolescentes do centro de treinamento da Confederação Brasileira de Tiro com Arco. , recentemente instalado na cidade. Marcus decidiu tentar, mesmo que isso tenha despertado comentários como os ouvidos por Denise: “Disseram que eu estava maluca e me perguntaram: ‘Seu filho vai ser índio ou o quê?’ ”. Aos 14 anos, o menino ingressou na seleção brasileira como o caçula e, aos poucos, o esporte, ainda pouco conhecido no país, foi se difundindo em Maricá, onde Marcus e a mãe chegaram a fundar um clube, o Dispara Brasil. “É tudo muito novo. Estamos aqui porque, quando ainda não existia centro de treinamento no Brasil, a prefeitura local nos ofereceu um terreno. A profissionalização na verdade leva cerca de três anos”, relata o presidente da confederação, João Cruz. São 2 mil atletas federados, mais que o dobro do número de 2021, mas nada que se compare à multidão de torcedores da Coreia do Sul, hoje a nação com resultados mais consistentes, onde o tiro com arco é tão cultivado quanto o futebol por aqui.

Nas Olimpíadas, a modalidade terá cinco torneios —no individual masculino e feminino (com o nome ainda em disputa) e nas duplas mistas, os brasileiros já estão garantidos. Resta saber se eles conseguirão garantir posições na equipe. “As pessoas só começaram a falar dos Jogos agora, mas para mim é todo dia, é a minha vida”, enfatiza Marcus, que sente a pressão alta e diz não se importar. “Ninguém se torna o número 1 do mundo sem gostar de pressão. Procurei isso e adoro ser a atração do desfile”, admite, sem rodeios e demonstrando destreza ao posar para a foto.

Em sua casa de três quartos, onde mora com Bianca, um está reservado para abrigar um acervo de mais de 200 medalhas e vinte troféus, tratados como joias. Você também pode ver referências a Paris-2024 em garrafas, canecas e um imã de geladeira que o transportam para a Cidade Luz. Ele também tenta relaxar a mente (“faz parte”), jogando FIFA na TV e estudando teoria musical, um hobby. A meditação faz parte do menu de preparação. “O ruído depende do silêncio”, diz uma das suas cinco tatuagens, esta no braço esquerdo. “Para ter barulho, plateia, aplausos, é preciso primeiro descobrir esse silêncio interior”, filosofa, e, sem tempo a perder, retorna à sua rotina cronometrada rumo a Paris.

Publicado em VEJA em 26 de abril de 2024, edição nº. 2890



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