Folhapress – A lei antiterrorismo brasileira, sancionada em 2016 pelo ex-presidente Dilma Rousseff (PT)está em descompasso com legislação e definições semelhantes utilizadas por outros países e organizações internacionais.
Isso porque os legisladores elencaram uma série de motivações que definem o crime, mas excluíram dessa lista as questões políticas, uma das principais raízes do terrorismo doméstico.
O artigo 2º prevê atos de terrorismo “por motivos de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com o objetivo de provocar terror social ou generalizado”.
Na altura, congressistas e activistas de esquerda concordaram em garantir que a proposta não incluísse razões políticas, por receio de que a legislação pudesse ser usada para criminalizar protestos legítimos de movimentos sociais.
A exclusão de uma das principais motivações do terrorismo doméstico, porém, dificulta ou impede atos como o atentado de quarta-feira (13/11), quando o serralheiro Francisco Wanderley Luiz, 59, se explodiu diante do STF (Supremo Supremo). Tribunal Federal), em Brasília, são observados no âmbito deste tipo penal.
Outro exemplo é o do bolsonarista George Washington de Oliveira Sousa, que, após a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022, planejou atentados a bomba na capital federal, inclusive no aeroporto, mas não foi condenado com base no anti- lei do terrorismo. .
Foi condenado a nove anos e oito meses de prisão por outros crimes previstos no Código Penal, como pôr em perigo a vida, a integridade física ou o património de outrem.
Em declarações à Polícia Civil, George Washington disse que o objetivo era “iniciar o caos”, o que levaria à “declaração do estado de sítio no país” e poderia “provocar a intervenção das Forças Armadas”.
Hoje, os atos de extremismo político estão incluídos na lista de crimes contra o Estado democrático de direito, que substituiu a Lei de Segurança Nacional, da época da ditadura militar, revogada em 2021.
Mas nem todos os ataques políticos, como o de George Washington, se enquadram na nova legislação. Restringiu, por exemplo, a aplicação do crime de sabotagem, que não é mais reconhecido em ataques planejados contra aeroportos.
Apesar das possíveis lacunas, a ausência de motivação política na lei antiterrorismo se explica porque os crimes contra o Estado de Direito geralmente abrangem esses casos, afirma Diego Nunes, professor de direito da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Ele lembra que as penas mínimas para os crimes desta lista e para o terrorismo são semelhantes. “Todo mundo começa do mesmo nível em teoria”, diz ele.
Professor de relações internacionais da PUC Minas, o advogado Jorge Lasmar diz, por outro lado, que a exclusão das motivações políticas causa problemas quanto à definição da competência para investigar o crime.
“Existem, por exemplo, ataques relacionados com o neonazismo que, dependendo se [o caso] for enquadrado como ato de terrorismo ou de discriminação racial, a competência vai da Polícia Federal para a Polícia Civil e vice-versa”, afirma.
Não classificar um ataque político como terrorismo também dificulta a aplicação de outra legislação, destaca.
Por exemplo, existe uma lei que prevê a indisponibilidade de bens de pessoas investigadas por terrorismo. Outra lei trata da responsabilidade civil da União em caso de ataques terroristas contra aeronaves brasileiras.
“Se [o crime] Não é considerado terrorismo, não existe essa entrada”, afirma Lasmar.
Desde 2016, as organizações de direitos humanos têm alertado sobre as tentativas de expandir a definição de terrorismo, o que acreditam poder abrir espaço para perseguições políticas.
Mais recentemente, dez grupos manifestaram-se contra um projecto de lei em tramitação no Congresso que altera a lei anti-terrorismo. O texto inicial, posteriormente modificado, equiparava a condutas com o propósito de causar “distúrbios civis” em nome de uma organização terrorista ou grupo criminoso a atos terroristas.
“A versão inicial da Lei Antiterrorismo fazia previsões problemáticas ao considerar motivações ‘político-ideológicas’”, afirma nota assinada pelas organizações. “Uma das principais vitórias da sociedade civil foi a derrubada desse item. Essa garantia, porém, já foi atacada em diversos projetos legislativos”.
Em outros países, George Washington, o bolsonarista que planejou explodir uma bomba no aeroporto de Brasília, poderia ter sido condenado com base na legislação antiterrorismo.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a legislação federal não penaliza o terrorismo doméstico – os invasores do Capitólio em 6 de janeiro foram condenados por crimes como conspiração e uso de arma mortal contra um policial?, mas a maioria dos estados tem suas próprias leis específicas para este tipo de ataque que não exclui motivações políticas.
O FBI (Federal Bureau of Investigation) define terrorismo doméstico como atos violentos cometidos por indivíduos ou grupos que procuram promover os seus objetivos ideológicos motivados por influências políticas, religiosas, sociais, raciais ou ambientais.
A organização considera o extremismo violento antigovernamental um dos principais aspectos deste tipo de terrorismo.
O Reino Unido também reconhece a prevalência de razões políticas nos actos de terrorismo. A legislação relativa ao tema define que o crime é inspirado no propósito de promover causas ideológicas de natureza política, religiosa ou racial.
Em Espanha, o crime de terrorismo também não exclui motivações políticas e inclui qualquer ataque grave à Coroa, reconhecendo a subversão da ordem constitucional como uma das finalidades deste crime. Membros da organização separatista basca ETA, por exemplo, foram condenados por terrorismo.
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Em uma de suas resoluções, de 1995, a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) definiu ato de terrorismo como aquele que visa provocar terror no público em geral ou em um grupo de pessoas para fins políticos, sendo injustificável, independentemente do “ considerações de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica ou religiosa” que possam ser invocadas.
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