22/10/2024 – 12h59
Mário Agra/Câmara dos Deputados
Carla Ayres: há um traço irrefutável de escravidão em histórias como a de Sônia
O Projeto de Lei 3351/24, da deputada Carla Ayres (PT-SC), estabelece diretrizes para atender e ressocializar trabalhadores domésticos resgatados de situações análogas à escravidão e ao tráfico de pessoas. Entre outras medidas, o texto prioriza a apuração de responsabilidades administrativas e criminais nesses casos, inclusive na Justiça do Trabalho.
A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.
De acordo com o texto, as disposições previstas no Lei Maria da Penha , no Estatuto da Igualdade Racialem Situação de Idoso e em Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Perfil vulnerável
Carla Ayres observa que as vítimas do trabalho doméstico em condições análogas à escravidão apresentam um perfil de vulnerabilidade significativo. Quase todas são mulheres negras, que passam muito tempo trabalhando para o mesmo “dono”.
A deputada lembra que muitas vezes estas situações começam como trabalho infantil. “Muitas vezes, são apresentados como ‘quase familiares’ para justificar a ausência de qualquer formalização”, critica Carla, acrescentando que muitas vítimas são pessoas com deficiência.
Adoção e dívida trabalhista
As ações praticadas pelos suspeitos de crimes para adotar ou reconhecer a paternidade e maternidade socioafetiva das vítimas devem ser entendidas como uma tentativa de perturbação do processo judicial. Portanto, deverão ser suspensos até a conclusão final do processo na Justiça.
No caso de dívida trabalhista, o patrimônio familiar do devedor não será considerado impenhorável e poderá ser utilizado para pagar créditos trabalhistas e contribuições previdenciárias devidos aos empregados resgatados.
Diretrizes
As ações administrativas e judiciais envolvendo trabalhadoras domésticas resgatadas deverão ser regidas pelos seguintes pontos:
- dignidade da pessoa humana;
- preservação da saúde integral;
- ressocialização plena;
- reconexão familiar;
- cessação imediata da violência doméstica;
- justiça reparatória;
- responsabilização total dos infratores; e
- consideração das perspectivas de gênero e raça.
Ressocialização
Durante o processo de ressocialização devem ser assegurados, entre outros pontos:
- o direito de não ser novamente escravizado e submetido a qualquer tipo de violência, seja de gênero, racial ou capacitista;
- acesso a informações sobre situações análogas à escravidão e ao tráfico de pessoas; e
- respeito pelos desejos das pessoas com deficiência.
Sônia Maria de Jesus
Se aprovada, a lei se chamará Sônia Maria de Jesus, em homenagem à mulher que foi resgatada de condição análoga à escravidão na casa de um juiz, em Santa Catarina.
Ela acabou voltando para a casa do magistrado após o resgate. Negra, surda e sem conhecimento de Libras, Sônia foi separada da família, sem consentimento, aos 9 anos. Ela tinha 49 anos quando foi resgatada em 2023.
“O caso Sônia Maria de Jesus revela que parte da nossa sociedade e das nossas instituições ainda naturaliza a exploração das trabalhadoras domésticas na escravidão sob a justificativa de integrá-las à família que supostamente se oferece para ‘acolher’ e ‘proporcionar educação e melhores condições de vida aos meninas e jovens pobres”, lamenta Carla Ayres.
Próximas etapas
O projeto está em andamento em caráter conclusivo e serão analisados pelas comissões de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência; Defesa dos Direitos das Mulheres; do Trabalho; e Constituição e Justiça e Cidadania.
Para virar lei, o projeto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.
Reportagem – Noeli Nobre
Edição – Natalia Doederlein
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