O ronco das ruas | VEJA

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A direita realizou um feito que a esquerda já considerava quase impossível: provocar a volta das manifestações de protesto nas redes e nas ruas.

As últimas folhas do outono caíam quando milhares de pessoas vestidas de verde-amarelo invadiram a Avenida Paulista durante a Parada Gay. Fizeram uma crítica bem-humorada aos bolsonaristas, que há seis anos tentam se apropriar de símbolos como as cores da República. Referência à bandeira do Brasil Império, criada em 1820 pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, o verde seria uma alusão à Casa de Bragança, origem portuguesa de D. Pedro I, e o amarelo, à Casa de Habsburgo, Berço austríaco de D. Leopoldina.

As tentativas de apropriação da história e dos símbolos nacionais fazem parte do cenário político. Às vezes, eles resultam em tiros no próprio pé. Em 1966, a ditadura tentou impor um cardápio de enredos para o Carnaval nas escolas de samba. Em resposta, o cronista Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) escreveu um samba sobre um compositor angustiado com a agenda de lidar com a situação nacional sob uma perspectiva histórica.

Ele enquadrou o casal de imperadores em uma sátira antológica, cantada por Mussum e os Originais do Samba: “Foi em Diamantina onde JK nasceu / E a princesa Leopoldina resolveu casar lá / Mas Chica da Silva teve outros pretendentes / E forçou a princesa para casar com Tiradentes/Laiá, laiá, laiá, o bode que me deu vou te contar. / Joaquim José, que também é de Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E Pedro Segundo foi eleito / Das estradas de Minas foi para São Paulo / E falou com Anchieta / O vigário dos índios / Aliou-se ele mesmo com Dom Pedro / E acabou a falsidade / Da união deles resolveu-se a questão / E proclamou-se a escravidão…”.

Dias depois da zombaria gay no verde-amarelo na Paulista, um vento frio soprou na nuca do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e aliados quando tentavam mudar a Constituição para transferir terras da Marinha da União para estados, cidades salões e ocupantes privados. A reacção social contra a “privatização das praias” foi vigorosa.

“A direita conseguiu o que a esquerda achava impossível: provocou o regresso dos protestos”

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Teve o efeito de um ciclone político. O Congresso foi inundado por uma torrente de expressões públicas de desconfiança sobre a prevalência de interesses patrimoniais, pessoais e empresariais, nas decisões legislativas. Arthur Lira, responsável pela aprovação na Câmara, começou a lamentar. Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, achou prudente enviar o projeto para o túnel por tempo indeterminado.

Depois, Lira precisou de apenas 23 segundos para sancionar a “urgência” na votação de um projeto do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Associado ao pastor carioca Silas Malafaia, o ativista religioso radical mais próximo de Jair Bolsonaro, o evangelista Cavalcante é um protagonista na guerra em curso dentro da liderança evangélica neopentecostal. Ele quer transformar mulheres estupradas que fazem aborto em assassinas. E quer deixá-los na prisão o dobro do tempo que os criminosos condenados por estupro.

A resposta foi dura e imediata. Nas ruas de São Paulo, como em outras cidades, os protestos se espalharam em faixas e cartazes improvisados: “Lira inimiga de mulheres e crianças”. Nas redes sociais houve uma avalanche: 5 milhões de mensagens em 48 horas – e oito em cada dez repudiavam o Congresso, descobriu Quaest.

O barulho das ruas surpreendeu muitos em Brasília. O senador Eduardo Girão (Novo-CE), que carrega no bolso uma reprodução plástica de um feto, patrocinou no plenário uma peça horrenda sobre o aborto. Lula chegou atrasado ao debate e exagerou: “Que monstro vai sair do ventre de uma menina estuprada?” Lira e Pacheco decidiram enviar o projeto para o túnel por tempo indeterminado.

Um aspecto relevante é a espontaneidade das mobilizações, à parte de partidos que antes dominavam as ruas, como o PT e seus aliados. Optaram por priorizar a aprovação de projetos econômicos governamentais, aqueles sobre os quais nem mesmo o governo entende. Portanto, sancionaram a “urgência” da aberração legislativa sobre o aborto, aceitaram uma votação simbólica — sem registro dos votos dos deputados — e liberaram suas próprias bancadas.

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Esse comportamento equidistante, mas interessado, tende a se repetir na decisão sobre a anistia ampla, geral e irrestrita aos crimes cometidos nas finanças dos partidos, que este ano dividem 1,2 bilhão de dólares (6,7 bilhões de reais) em dinheiro público.

É consistente com o ambiente de liquefação em que os políticos se tornam um grupo social com espírito de casta, empenhado em defender os seus próprios interesses, antes e acima dos interesses da sociedade que afirmam representar.

Os textos dos colunistas não refletem necessariamente a opinião de VEJA

Publicado em VEJA em 21 de junho de 2024, edição nº. 2898



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