O que o projeto antiaborto diz sobre o futuro do Brasil

O que o projeto antiaborto diz sobre o futuro do Brasil



A tramitação acelerada do projeto de lei 1.904/2024 na Câmara dos Deputados infelizmente indica que o falso moralismo em busca de votos dominará a discussão política nos próximos anos. Se se tornar lei, o projeto de lei resultará na prisão de uma mulher violada que opte pelo aborto após a vigésima segunda semana de gravidez até 20 anos – 10 anos a mais que o violador.

O texto ignora a alta incidência de estupros contra crianças, cujo reconhecimento da gravidez é difícil e demorado, e a baixíssima disponibilidade de hospitais habilitados para realizar abortos nesses casos, o que atrasa ainda mais o procedimento e obriga a vítima a fazê-lo após o término do procedimento. vigésima segunda semana – altura em que a própria vítima será, segundo o projecto, equiparada a um assassino.

O projeto tem um aspecto puramente eleitoral, relacionado à disputa pela sucessão de Artur Lira (PP-AL) na Presidência da Câmara dos Deputados. Por outras palavras: mais uma vez os interesses dos pequenos grupos privilegiados são colocados à frente do interesse público nacional. Como resultado, o Brasil está, aos poucos, voltando a viver em um passado remoto e desprovido de liberdades individuais – especialmente para grupos vulneráveis, como mulheres e negros.

É assustador saber que políticos e partidos que defendem a interferência das igrejas na vida privada dos cidadãos estão em ascensão no Brasil. Este projeto é uma prévia sádica do que pode estar por vir. A bancada evangélica no Congresso voltou à fase das explosões autoritárias medievais.

O aborto é um problema e precisa de ser discutido – especialmente o aborto ilegal, que causa muitas mortes todos os anos, especialmente entre as mulheres pobres. Mas esta é uma questão de saúde e não de religião ou ideologia política. Não cabe ao Estado interferir em aspectos íntimos da vida de um cidadão. Muito menos cabe a qualquer denominação religiosa, mesmo que legitimamente constituída no Brasil, fazer essa interferência.

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Combater o aborto de forma honesta envolve a realização de campanhas educativas sobre sexo, suas consequências e riscos. Também é necessário difundir no Brasil a necessidade de proteger mulheres e meninas de estupro e assédio sexual. O que vemos, contudo, é que nem os governos de esquerda nem os de direita estão empenhados neste tipo de campanha. Em relação à gravidez resultante de violação, a lei já estipula o que uma mulher pode ou não fazer – o problema são os inúmeros obstáculos ao exercício deste direito, fazendo-o ultrapassar as 22 semanas.

Qualquer que seja o resultado deste projeto, o certo é que os líderes moralistas e os ricos continuarão a ter acesso ao aborto, no Brasil e no exterior. É a mesma coisa que acontece com as drogas. A proibição e a prisão, na prática, só se aplicam a quem não tem dinheiro ou influência. Ou dependendo da cor da pele.

Equiparar uma mulher que opta pelo aborto a um assassino e impor-lhe uma pena maior do que a do estuprador é uma das atitudes mais sádicas tomadas por agentes públicos no Brasil desde a redemocratização. Infelizmente, é apenas uma amostra do tipo de sacrifícios que os políticos actuais estão dispostos a fazer em troca dos holofotes e do poder.



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